Estava distraída a caminho da academia ontem, quando vi a cena. Que cena triste. E ao mesmo tempo, que cena linda. Fui imediatamente atraída para a ação que se deu à luz do dia, avenida Angélica, meio vazia, ainda que com um número considerável de espectadores. Era a mistura irretocável de brilho e dor.
Demorei um pouco para montar a narrativa completa. Completa nenhuma narrativa é, eu sei, mas pelo menos para entender do que a coisa toda se tratava. Eram três rapazes juntos na calçada. Choravam alto, e não havia ali nenhuma espécie de exagero performático, choravam feridos por qualquer coisa que já não teria conserto ou cura. Estavam abraçados em um emaranhado de três que era um todo único. Até o tom do lamento parecia representar uma só voz.
À medida em que me aproximei – não em razão de minha aproximação, mas quase como se aquela fosse a hora adequada para o movimento acontecer – foram caindo coreografados sentados no chão, e o abraço os sustentou a ponto de alcançarem o asfalto juntos, ainda ligados. Cada braço, encontrou uma perna onde encostar, cada ombro se fez abrigo de cabeça, o conjunto foi harmonicamente refeito, sem nenhuma alteração à música afinada que entoavam entre um soluço e outro.
Até que um deles, o menorzinho, gritou. Um grito profundo e pavoroso que tomou pelo menos quatro ou cinco quadras da Angélica. E a avenida se fez silenciosa para ouvir o homem em sofrimento. Embora fossem incompreensíveis as palavra que vinham da sua boca, nós, os passantes, paramos como que em um apertar da tecla pause. Como em um desses filmes, quando se sente a promessa de uma explicação do narrador, mesmo que já se tenha total clareza do sentido da trama. Ele entendeu o espaço consentido e voltou a encher nossos ouvidos de medo e compadecimento.
O medo de se imaginar em seu lugar. O compadecimento de se saber suscetível. Vendo que compartilhávamos o mesmo susto de realidade, retomou a sobriedade, ainda que momentaneamente, e fez cristalina a pronúncia de cada sílaba. “Agora não tem volta, o carnaval acabou”. Sim, acabou. Choremos rápido, já que a segunda não demorou para dar as caras e – não queria ser eu a dar a má notícia, mas – boletos não se pagam com glitter. Ui! Boa semana queridos.
* Roberta D’Albuquerque