O vice-reitor da Diocese de Rio Branco, padre Jairo Coelho, escreveu carta para Jair Bolsonaro, após o presidente da República minimizar mais uma vez a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e pedir o fim das medidas do isolamento social. Bolsonaro chegou a pedir que as escolas retomassem as aulas e que o comércio e outros setores voltasse à ativa, ficando isolados apenas os idosos e demais pessoas no grupo de risco da doença.
Na carta, o padre Jairo diz que assistiu ao pronunciamento do presidente. Ele faz um comparativo do peso da vida das pessoas diante de meros índices enconômicos, e critica Bolsonaro por não entender que ele tem saúde e hospital à sua disposição, enquanto a maioria da população depende do SUS, um sistema que corre o risco de entrar em colapso caso a pandemia siga aumentando.
O padre também fala que o presidente pode não dar importância para quando uma pessoa morre, para ele são só números, mas para uma família que perde um ente querido é uma dor imensurável, e tudo perde o sentido. E finalizou ponderando que o discurso de Bolsonaro desvaloriza e joga fora todo o esforço dos profissionais da saúde que estão se arriscando e das famílias brasileiras que estão lutando para tomar as medidas de isolamento.
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CARTA AO PRESIDENTE.
AO EXCELENTÍSSIMO SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Sr. Presidente,
Sou um cidadão brasileiro, com direitos e deveres, como qualquer outro cidadão. Nos últimos dias tenho acompanhado o esforço de tantos brasileiros e brasileiras que têm feito o sacrifício de ficar em casa para evitar a proliferação do novo coronavírus, principalmente entre as pessoas do grupo de risco; sobretudo, os idosos. Sabemos que o confinamento terá consequências drásticas para a economia. Mas, de que adianta uma economia robusta ao preço de dezenas, centenas, milhares de vidas? O que é mais importante?
Assisti perplexo o seu pronunciamento. Confesso que não acreditei no que vi e ouvi. Pois, as autoridades sanitárias e de saúde têm insistido no confinamento como forma de barrar a pandemia, inclusive o próprio Ministério da Saúde. Mas, contrariando todas as orientações, o senhor vem a público, em rede nacional, dizer exatamente o contrário. Presidente, confesso que tive a ligeira impressão de que o senhor ainda pensa que está em campanha eleitoral, atacando seus adversários em um pronunciamento que só serviu para deixar a população ainda mais apavorada.
Presidente, o senhor não sabe porque as escolas estão fechadas? É muito simples. Porque as crianças também podem contrair o vírus, alastrando-se ainda mais rapidamente. E as crianças têm pais, têm avós e algumas até bisavós e tataravós. O senhor não sabia disso?
Ah, outro detalhe. O senhor disse que a grande número de vítimas na Itália, deve-se ao fato de ser um “país com grande número de idosos e com o clima totalmente diferente do nosso”. Não sei se o senhor acompanhou a correria dos idosos aos postos de saúde no dia de ontem, para se vacinarem contra a gripe. Pois é, no Brasil temos muitos idosos. Talvez mais do que o senhor pensa. E ainda que tivéssemos apenas um, tínhamos o dever de protege-lo. Mas, parece que o senhor pensa diferente de mim. Pelo menos foi a impressão que tive. Então se essa “gripezinha” não atingisse principalmente os velhos, a sua atitude seria outra? Também gostaria de lhe informar que moro num estado de clima quente, muito quente. E não é que o coronavírus chegou aqui também. Pelo visto, ele não gosta só de frio.
Presidente, quando uma pessoa morre, para o senhor talvez não signifique nada, ou apenas um número. Mas, para a família que perde o seu ente querido, por um instante tudo perde o sentido. Não há como mensurar tamanha dor. Ou o senhor nunca teve essa sensação? Parece que não!
Lamento lhe dizer, Presidente, mas nem todos têm a saúde de ferro que o senhor tem. Também não tem um hospital exclusivo como o senhor tem. A grande maioria do nosso povo, depende do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual entrará em colapso no final de abril, caso a pandemia não seja estancada. Não sei se o senhor lembra, mas quem disse isso foi o Ministro da Saúde. Detalhe: o senhor estava ao lado dele quando ele disse isso, na sexta-feira passada.
Presidente, enquanto o senhor falava eu pensava nos milhares de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais profissionais que trabalham nos hospitais e centros de saúde que não têm medido esforços para evitar que a pandemia se alastre. Pensava nos milhões de idosos que se sentiram descartados. Pensava nas pessoas do grupo de risco, que estarão condenadas a ficarem para sempre dentro de casa. Pensava que o senhor estava falando sem pensar…
Subscrevo,
Jairo S. Coelho