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Pós-modernos, debilidade mental e silicones

CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO

Há milênios, tem ele travado conhecimento com alguns loucos. Já vai para mais de cinco mil anos que o general Sun Tzu o aconselha e ele lhe segue as pegadas nas areias cálidas do seu deserto íntimo. Como os lunáticos, tem o cronista percebido que os humanos são malucos mesmo e, apesar dos cuidados, só diferem entre si em virtude das proporções. Alguns são menos doidos que o poeta desassombrado, ele.

Em verdade, qualquer psicopata vê, a olho nu, que os caminhos tomados pela Humanidade deixam atônitos até os mais desembestados ou bestificados, como o último poeta cego de um olho só. Ele deixaria morrer afogada a mãe, e também a amante, mas Os Lusíadas ainda estão à salvo, inclusive, das fogueiras diabólicas da inquisição.

Os propagadores da infidelidade assuntam que, quando se chega à idade da razão – bem sabemos que ela não existe, é claro – não mais se torna extremamente necessário acreditar no homem. Os mais e os menos caóticos viram, desde o anteontem das civilizações, que a tal criatura já deu o que tinha que dar. Incontáveis hordas de anjos e demônios fecharam as portas para os romantismos e as utopias. Do pescoço pra baixo, agora, é tudo canela. Pode sentar o pau. Nestes tempos obtusos, das duas uma: ou a língua ou o beiço, porque o tutano já está parcialmente estragado e a pleura esfumaçou.

Daí, foi na pós-modernidade que aperfeiçoaram a traição e descobriram, enfim, o sexo dos anjos e a lógica das línguas de trapo que sabem da tua vida até aquilo que você jamais cogitou. Inventaram, pois, as redes sociais, onde ser virtuoso tornou-se um quase drama. É um Deus nos acuda.

E a celeuma e o desfrute agora ficam mais fáceis porque, inadvertidamente, muitas agentes da lerdeza de espírito e damas de fino trato, mimadas até as tripas, acham por bem escrever, por horas a fio, por madrugadas adentro, sobre as suas intimidades e fraquezas nessa rede dos demônios chamada Facebook.

Um crítico de costumes nosso de cada dia fez síntese sobejamente didática:

– No mais das vezes, vieram ao mundo para representar o papel de fantoches ou aves de rapina que povoam os céus de Atlântida; espécimes parasitários não raros que dizem o que não sabem, mostram o que não têm e são o que não são. Uma doidice só.

Foi então que o poeta aluado fez anotações drásticas segundo as quais há coisas tão particulares a você, que não devem mesmo ser levadas ao conhecimento público. Os seus dissabores amorosos, por exemplo. Por que todos devem saber sobre as suas dificuldades e aflições tão humanas? Os seus problemas são apenas seus e ninguém mais tem nada a ver com isso. Na maioria dos casos, cornos são adereços pessoais e intransferíveis. E o poeta da firula se faz extremamente fútil ao aconselhar:

– De chifres eu manjo bem… Se pegar, pegou. Então, segura, beija, cospe, passa a mão, a língua, curte, compartilha, mas não comenta, porque senão todo mundo vai querer usar e abusar do seu lastimável estado de dúvidas e incertezas. Oh, céus!

Isto ainda lembra muito bem aqueles espécimes apaixonados vindos de não sei qual dessas tantas galáxias. Elas preferem colocar em exposição, na rede mundial de computadores, apenas as suas bundas lindas siliconadas em Oruro ou Cobija. Os seios outrora túrgidos e pontiagudos – aqueles atingidos pelo efeito tapioca, ou pizza mal dormida – só devem ser mostrados mais tarde, bem depois, porque as cirurgias plásticas sanguinolentas estão pela hora da morte indigente em leitos bolivarianos.

Ô raios!

Bem pior ficou no Brasil, terra de muros baixos e republiqueta de bananas, onde a justiça anda às voltas com mais de duzentos milhões de processos; um para cada brasileiro, ou algo parecido.

Ásperas questões judiciais começam a jorrar de todas as comarcas tupiniquins, principalmente, numa terra distante sul-ocidental amazônica, onde as libidos ficam em labaredas em vista do calor dos trópicos.
Com a finalidade de ludibriar os incautos cheios de tesão, a mulherada passa muita argamassa virtual na cara, assim do tipo photoshops, filtros, scanners, dentre outros. Já tem até jurista especializado nesse tipo de enganação. Piraram todos. É que o advogado especialista nessas causas nos faz lembrar anos do século passado, quando moçoilas eram devolvidas para as famílias de origem, justo pelo fato de não mais serem moças, ou virgens, o que dá no mesmo. Sim. Essa travanca existia e era algo bem escandaloso depois de uma festa de casamento cheia de pompa e galhardia.

E o cronista sem meias palavras deixa lavrado no seu perfil em bom português:

– Ela disse que talvez eu não a achasse tão bonita ao vivo. Manjei na boa. A cara dela estava lotada da tal mistura virtual. Doidinha!

Daí, o saltimbanco das letras toscas anotou o depoimento de um dos seus loucos prediletos. Agora, ele se refere a muito mais perdas financeiras que danos morais:

– Depois da esbórnia e de toda uma madrugada afoita, caiu o pano do circo mambembe e desabou o reboco da antes cândida face da cabrocha de alguma idade.

Tratava-se de uma moçoila na faixa das cinquenta voltas com quem ele se acompanhara em noite qualquer deste milênio depravado. Ofendido a partir da verve, enfim, ele arrematou o comentário de forma incisiva e contundente:

– A pele da cara lisinha da silva. Não sei que tipo seria aquele de pó compacto, ruge ou goma de dentista. Muito grave tudo aquilo. Como se jamais alguém descobrisse que a carinha jovem era apenas para enganar o príncipe basbaque bêbado tarado. Eu.

Todavia, do lado de cá da consciência, o poeta pululante se auto define, irremediavelmente, enquanto um feminista convicto, sim, e garante que, mesmo por cima do calafeto, jamais deixará de achar uma moça bela e a outra estonteante, uma vez que é daí que a poesia flui:

– Apesar dos pesares e dos cotidianos muros das lamentações muito íntimos, a minha verve e a minha poesia não se cansam de derramar elogios fartos e brandos sobre as mulheres. É que elas enfeitam o mundo.

Simão Bacamarte – O Alienista, do Machado de Assis – vendo o circo pegar fogo e o mundo de cabeça pra baixo, concluiu, de forma supimpa, que ainda mais loucos são os que estão do lado de fora dos muros dos hospícios. Por isso, a insensatez de uns tantos bate à porta e grita por socorro a plenos pulmões.

Percebe-se, pois, que os mentecaptos com ar de superioridade e mais ou menos conscientes do seu papel, hoje, apenas rondam através das redes sociais, para fazer umas gracinhas e tirar uma onda. Segundo eles, os incomodados e mal humorados que exerçam o seu direito e lhes bloqueiem a relação. E já basta.

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*Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE e DOIS RAIOS DE SOL E MEIO PALMO DE LUA, romances, disponíveis pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro e na plataforma do Clube de Autores.

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