No meio de uma pandemia que iguala a todos no necessário distanciamento social, e que ao mesmo tempo expõe a diferença brutal que separa os pobres ou muito pobres da esnobe classe média e seus heróis do andar de cima, vemos a política realizando seus movimentos em direção a mais uma eleição, na certeza que a próxima será sempre a mais importante.
Dirigentes partidários realizam missões, buscam candidatos, jogam, seduzem na tentativa de organizar seu melhor time. Jogam com os dois olhos bem abertos, cada um, porém, mirando alvo distinto: 2020, eleição municipal, importa mesmo é como formação do campo de forças para 2022, quando o jogo é de “verdade”.
Como observador da cena, duas coisas me impressionam. Primeiro, o desprezo das grandes lideranças políticas do Estado pelas eleições municipais. E isso não é de hoje. Prova é que ao final dos mandatos quase a totalidade dos prefeitos sai de cena com sérios problemas nos órgãos de controle. Consequência natural da falta de critérios gerenciais dos partidos para a escolha de candidaturas. Como se a gestão municipal não tivesse importância e a eleição fosse apenas a oportunidade de os coronéis botarem seus batalhões a medir forças nos campos de batalha na preparação para a disputa que realmente importa: aquela em que eles próprios estarão no teatro de operações.
O que vai acontecer com a cidade depois não importa. Se der problema, como quase sempre dá, será mera externalidade do jogo do poder. Nessa toada, questões como capacidade de gestão, ética pública, desenvolvimento local, liderança agregadora, política pública, e temas como educação, saúde, geração de renda, produção, superação de desigualdades, não têm qualquer valor. Aliás, atrapalham, porque são confundidas com “burocratismos” e “tecnicidades” que “o povo não valoriza”. E assim vão se acumulando às rumas experiências de gestão local deploráveis e que tanto contribuem para o atraso e a pobreza de nossas cidades.
Em segundo, impressiona a absoluta falta de identidade partidária, social ou programática dos partidos políticos no Acre. A ciência política ao longo de séculos consagrou os partidos como ferramentas fundamentais ao processo democrático. Por meio deles os grupos sociais, na forma de classes, grupos de interesses ou mesmo categorias profissionais, disputam legitimamente o poder institucional. Assim, os partidos são funcionais à democracia representativa porque estruturam a competição eleitoral, agregam interesses, governam e conduzem os trabalhos legislativos. Na realidade do Acre hoje, de enorme desconfiança das pessoas, fragilização e perda de credibilidade das instituições, partidos viraram quimeras e os eleitores buscam identificação em pequenos caudilhos locais. Mazinho Serafim em Sena Madureira e Vagner Sales em Cruzeiro do Sul são bons exemplos desse fenômeno.
A consequência de tudo isso é feia e cheira mal: candidaturas que não representam nada e nem ninguém, desprovidas que são de causas e propostas. Fazem parte de um jogo cujo único e definitivo propósito é o poder pelo poder. Aliás, o poder como meio de acesso e distribuição de privilégios. Essa sim é a essência da política em nossa realidade. Na posse de poder político, os caudilhos locais distribuem cargos, empregos, favores e pequenos mimos, atendendo aos vinte por cento que se mantém próximos aos centros de decisão. O restante da população, os oitenta por cento que apenas vota, quase sempre também em função de algum ganho menor, segue vendo serviços públicos se deteriorarem, recursos se perderem, a vida mais difícil e dura, enquanto os privilégios das elites não cessam de crescer. Isso, inclusive, ajuda a explicar porque salários e benefícios do setor público são os principais vetores de aprofundamento da desigualdade social em nosso Estado.
A democracia representativa é a mais avançada forma de partilha do poder político inventada pela humanidade. Sua condição ideal é aquela em que enquanto estimula o compartilhamento do poder, contribui para a distribuição da riqueza e a diminuição das desigualdades no interior da sociedade. Quando perde essa capacidade, deixa de fazer sentido para a maioria do povo. Que bom seria se, neste momento de pandemia em que fica tão evidente o quanto somos todos dependentes uns dos outros, o jogo da política com seus partidos, coronéis, pequenos caudilhos e candidatos de si mesmos, tomasse consciência que a eleição é momento de renovar esperanças, recuperar confiança, olhar com carinho para a cidade e pensar no quanto se pode fazer pelo bem estar das famílias, a saúde dos idosos, a alegria dos jovens e o futuro das crianças. Nossas cidades merecem melhor sorte que a que lhes foi reservada nos últimos tempos.
Os líderes políticos cumpririam melhor seus papéis se compreendessem que é impossível desenvolver o Estado e gerar bem estar ao povo sem prefeituras fortes e bem administradas. E se tomassem consciência que partidos são imprescindíveis à democracia e por isso devem ser operados com decência, coerência política e respeito aos eleitores.
*Irailton Lima é sociólogo. Foi presidente do Instituto Dom Moacyr, no governo de Binho Marques e secretário adjunto de Saúde na gestão Tião Viana.