Sob o aspecto de saúde pública, a pandemia do coronavírus é inédita pela alta capacidade de transmissão e pela alta abrangência mundial ao mesmo tempo. Do ponto de vista econômico, esta pandemia criou uma situação inusitada: jogou grande parte da população mundial em confinamento residencial, travou o sistema produtivo e puxou o Produto Interno Bruto (PIB) dos países para baixo. No caso do Brasil, o rápido e intenso isolamento social desativou brutalmente o sistema de produção, comércio e prestação de serviços, comeu uma enorme parte do PIB corrente, destruiu a renda de milhões de trabalhadores e desorganizou o sistema econômico.
Esta crise é diferente de todas que o país já viu. A paisagem nacional hoje é de fábricas paradas, cidades vazias, transportes desativados, lojas fechadas, mercados sem gente, produção em queda, trabalhadores em casa, desempregados sem renda, ou seja, uma colossal redução na produção e renda, com capacidade para virar uma dramática queda da oferta de bens e serviços e uma crise grave de abastecimento, a depender da duração do isolamento social.
Muitas são as discussões sobre o que fazer, qual plano o governo pode implementar, capaz de minimizar o estrago sobre o produto, a renda e o desemprego, cuja magnitude pode gerar focos de convulsão social. O debate começa pela questão mais simples e menos entendida por quem não tem instrução forma em economia: por que o governo não emite dinheiro e distribui à população de forma a repor a renda perdida durante a crise?
Um exemplo que ressurge é a solução dada pelo economista John Maynard Keynes para a depressão dos anos 1930. Keynes produziu uma estrutura teórica – que originou o livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936) – e propôs soluções para o aumento da demanda agregada, (que é a soma de consumo das pessoas, consumo do governo, investimento das empresas, investimento do governo e exportação menos importação). A solução keynesiana propunha um grande programa de gasto do governo pago com emissão de moeda, sem aumento dos impostos.
Os adversários de Keynes argumentavam que a emissão de moeda sem o correspondente aumento do PIB jogaria a inflação para cima, como houvera ocorrido na Alemanha em 1922, quando, derrota na primeira guerra, o país expandiu a moeda circulante e, com a produção retraída, foi atingida duramente por uma hiperinflação que gerou fome e miséria em larga escala. Aos críticos, Keynes respondia que o desemprego de trabalhadores e a capacidade ociosa das fábricas levariam a um rápido aumento do produto nacional, o abastecimento seria retomado e a expansão monetária não seria inflacionária, desde que o governo parasse de fazer déficits e emitir moeda tão logo a economia voltasse à normalidade, alertava ele.
Na atual situação brasileira, o governo não tem condições políticas de insistir no equilíbrio fiscal e deve, mesmo com déficit, executar um plano de investimento em infraestrutura física e infraestrutura social, ampliar a transferência de renda aos pobres e aos desempregados (sobretudo os profissionais autônomos) e regulamentar o refinanciamento de dívidas comerciais, bancárias e tributárias, mesmo que para isso aumente a dívida pública e faça expansão monetária
O principal desafio será calibrar a expansão monetária com o aumento do PIB, pois a emissão de moeda não pode ser ilimitada nem permanente. Para começar o debate, listei 12 medidas que me parecem úteis para ajudar na recuperação nacional durante e depois da crise, sem dispensar outras tantas medidas e ações que possam ser implementadas.
- Suspender execuções de dívidas fiscais de pessoas e empresas afetadas, nas três esferas da federação.
- Moratória tributária: prorrogar prazos para pagamento de tributos e renegociar passivos tributários, considerada a capacidade financeira do devedor.
- Moratória financeira: prorrogar dívidas no sistema bancário, estendidos à taxa de juros igual à Selic, segundo a insuficiência financeira do devedor.
- Prorrogar dívidas dos Estados e municípios com a União e com os bancos públicos federais, já que somente a União tem o poder de emitir dinheiro.
- Injetar liquidez primária no sistema financeiro e ampliar o limite operacional dos bancos (total que os bancos podem emprestar como múltiplo do patrimônio líquido menos o ativo imobilizado).
- Autorizar os bancos a ofertarem linhas de crédito para empresas e consumidores, sem limite de teto total da linha, com taxa de juros igual à Selic mais uma pequena taxa para cobrir custos administrativos dos bancos.
- Criar o Seguro Coletivo de Créditos para os financiamentos concedidos no âmbito do Plano de Reconstrução Nacional, de forma a dividir os riscos com todo o sistema financeiro.
- Elaborar e executar um Plano de Obras e Equipamentos que inclua obras da União, dos estados e municípios.
- Criar, para financiar o Plano de Obras e Equipamentos dos estados e municípios, linha de crédito especial no Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES.
- Criar um plano de investimentos no sistema de saúde, hospitais, leitos, equipamentos, materiais e recursos humanos.
- Compensar parte dos efeitos econômicos e financeiros do confinamento por meio de um programa de transferência de renda às camadas mais pobres e aos quase 40 milhões de trabalhadores autônomos.
- Criar o contrato simplificado de trabalho, com validade por 3 anos, como instrumento de estimular rapidamente a contratação de trabalhadores.
A crise é gravíssima, um plano desse tipo tem vários problemas, a dosagem de expansão monetária é difícil de calibrar, mas a opção “não fazer nada” inexiste, logo, é preciso agir.
* José Pio Martins é economista e reitor da Universidade Positivo.