* “Queremos fazer com que o acreano coloque aquela bandeira no coração”, diz dono do Café Contri.
Esta semana, um vídeo gravado pelo empresário Adalberto José Moreto, conhecido como Beto do Café Contri, viralizou nas redes sociais. Nas imagens, ele pede que a população valorize a indústria local. Também repercutiu muito o pacto feito por Beto com os funcionários de que, apesar da crise instalada pela pandemia do novo coronavírus, ninguém seria demitido.
A atitude emocionou as famílias acreanas não só por ser este um momento difícil a nível mundial, mas pela sensibilidade e humanidade de um empresário para com seus funcionários.
A equipe do jornal A GAZETA conversou com Beto sobre os desafios do Café Contri e da indústria em geral durante esse que já é considerado um dos períodos mais avassaladores para a economia.
No mercado há 33 anos, o Café Contri já faz parte da história dos acreanos. Por trás da marca, há uma equipe de mais de 30 funcionários e um trabalho de gestão que tem dado certo.
Logo que começou a quarentena em decorrência à pandemia e com a determinação do fechamento do comércio, Beto sentiu a necessidade de se reunir com a equipe, após receber diversos questionamentos sobre o futuro da empresa.
“Nós temos o Café que tem 32 ou é 33 funcionários, mais um frigorífico que é da minha esposa, mas eu sou sócio também, tem mais 6 ou 7, e as duas fazendas, uma pequena e uma grande, e também a chácara que eu tenho que envolve mais umas 15 pessoas. Dá aí uns 50 a 60 funcionários no total. Coloquei a todos que a segurança deles quem passava era eu. Eu como o patrão deles não iria demiti-los de forma alguma. Caso faltasse dinheiro no caixa, se a economia despencasse, se tivesse um problema de não vender e não receber, a gente iria comendo o que tem no café, passaria para as fazendas onde têm muitos bois, e vamos matando e vamos comendo. Passar fome ninguém iria. Pedi que todos usassem do bom senso comigo, que não se aproveitassem da situação para, tipo, relaxar no trabalho”, conta.
Em um primeiro momento, o Café Contri reduziu o serviço para apenas um turno. Ao invés de trabalhar 8 horas, começaram a trabalhar 6 horas por dia, para que as pessoas se locomovessem menos nas ruas. “Posterior a isso, a gente percebeu que as indústrias de alimentos não estão sofrendo tanto quanto outros segmentos. Portanto, a gente voltou ao trabalho normal de 8 horas por dia”, explica.
O Café Contri não conta com atendimento ao público no local, então os clientes não chegam à empresa. Ali, circulam apenas os funcionários do dia a dia. Beto relata que aqueles que tinham algum sintoma de gripe foram afastados durante a existência dos sintomas. Contudo, até o momento, ninguém testou positivo para a covid-19.
“Sempre adotamos as medidas nacionais e internacionais de segurança contra o coronavírus e como a gente não tinha acesso ao público, foi mais fácil de contornar. A higienização já é normal em uma indústria de alimentos, então a gente só reforçou ainda mais”, justifica.
A ideia do vídeo
O empresário explica que a ideia de grava o vídeo que viralizou na internet surgiu da necessidade de valorizar o emprego.
“Foi noticiado que estariam vindo sacolões para ajudar a população acreana. Isso até se mostrou ser fake news depois. Eu me preocupei, porque disseram que estariam vindo 100 mil sacolões para o Acre. Aí eu coloquei que seriam 100 mil pacotinhos de café que eu deixaria de vender, 100 mil quilos de farinha que a turma de Cruzeiro do Sul não vai vender, 100 mil litros de óleo que o empresário e o comerciante local vão deixar de vender. Aí pensei: poxa, isso vai dar uma queda na economia. Isso vai dar um pesadelo. Foi onde comecei a conversar com meus amigos empresários no setor de alimentos, de que nós deveríamos fazer uma campanha sobre isso”, relata.
Para Beto, o mais desesperador é a possibilidade de a economia quebrar. “Em reunião com o presidente da Acisa, ele me colocou que a covid-19 matou alguns CPFs, muitas pessoas perderam as suas vidas, mas a grande quebra que vai ter será nos CNPJs, que são as indústrias e os comerciantes. Eu estou com medo, porque se os empresários, o governo, o poder público não começarem a fazer com que o dinheiro que está aqui dentro do Acre, em Rio Branco e nos municípios, cada um lutando pelo que é seu, ficar rodando internamente, a economia quebra. Economia é isso, é circular o dinheiro”.
O empresário acredita que deve haver um esforço conjunto para que o desemprego não cresça e que não falte comida na mesa dos acreanos. “Quando um produto é de fora do Estado, esse dinheiro vai voltar para o Acre só através de emendas parlamentares, só através de repasse do Governo Federal. E o Governo Federal está hoje com tanto problema na mão que tem hora que ele vai fazer assim: O Acre? Aquele Estado pequenininho que não arrecada nada para nós? Peraí, vamos deixar ele para depois”, especula Beto.
Após a repercussão do vídeo, o empresário confessa já ter se emocionado muito. Apesar do sucesso, ele diz que ainda é cedo para dizer se houve ou não aumento no número de vendas.
Até agora, ele custa a acreditar que um vídeo simples, feito sem a intenção de chamar tamanha atenção, causou tantas reações positivas. “Para você ter uma ideia, eu não tenho Instagram, eu não tenho Facebook. Eu vi os comentários porque a minha equipe mostrou e eu recebi ligação de vários amigos”.
“É uma coisa desesperadora”, diz o empresário sobre a pandemia
Para Beto Moreto, a forma como todos enfrentam a pandemia do novo coronavírus é novo. “Tem hora que eu não acredito no que estamos passando. Sinceramente, eu parei de assistir televisão, parei de abrir vídeos. Participo muito de reuniões por teleconferência, chamadas de vídeo, mas parece que a gente está sonhando. Parece que estamos brincando de não ir trabalhar, embora que não paramos nem um dia. É uma coisa desesperadora”.
Campanha de valorização às indústrias acreanas
Além de empresário, Beto Moreto é também o vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Alimentares do Estado do Acre (Sinpal). O sindicato conta com o apoio da Secretaria de Estado de Empreendedorismo e Turismo para lançar a Campanha de Valorização das Indústrias Acreanas. Ele disse que os filiados estão empenhados nisso e que já a partir deste final de semana as empresas começarão a divulgar vídeos nas redes sociais.
“Essa minha atitude serviu de inspiração e a partir deste final de semana, todos os sindicalizados irão adotar a campanha de valorização das indústrias acreanas. Queremos mostrar que as indústrias do Acre são de qualidade. O Café Contri, por exemplo, tem 33 anos. Se não tivesse qualidade não estaria tanto tempo no mercado. Biscoitos Miragina tem 52 anos, e se não tivesse qualidade e um bom serviço não estaria no mercado. E assim são tantas e tantas empresas que estão no dia a dia. Queremos fazer com que o acreano coloque aquela bandeira no coração e dizer: eu tenho orgulho de ser acreano”, declara.
O sindicato tem ajudado constantemente com o fornecimento de alimentos à UPA da Sobral, conta Beto. É um trabalho em equipe e que precisa alcançar a todos.
“Temos que jogar essa campanha na mídia e não é só rede social, mas um todo. É a rede social, é o jornal escrito, é o falado. É tudo. Temos que aproveitar que parte da população está em casa. O acreano está sufocado com essa coronavírus”, afirma.
Para Beto, este é o momento de todos fazerem sua parte para enfrentar a crise. “A minha preocupação é com o Acre. É lógico que a minha indústria tem que estar bem, mas a minha preocupação é com o todo. Eu tenho que torcer para o Acre todo dar certo e não olhar só para o meu umbigo”.
O desafio de somar na luta contra o coronavírus
A arquiteta Rose Moreto, irmã de Beto, foi uma das primeiras pessoas do Acre a testar positivo para a covid-19. Na ocasião, o empresário foi procurado e questionado por um grupo de estudantes e professores da Universidade Federal do Acre (Ufac) sobre a possibilidade de a indústria montar uma linha de produção de Equipamento de Proteção Individual (IPIs).
“Um domingo eu sentei com esses alunos e professores na Ufac no qual os alunos desenvolveram as máscaras, mas não tinham a indústria para desenvolver a produção. Desenvolveram um avental de plástico, mas não tinha a indústria para produzir. Lá na Ufac temos um departamento de IPIs Ufac Covid-19. Eles me convidaram para fazer parte e eu encabecei isso. Eu montei na própria indústria, lá no Café, em um setor à parte, uma fábrica de aventais de plástico. Até agora nós trabalhamos 100 diárias. Contratei funcionários da comunidade, que já tinham sido demitidos, para isso. Nós já fizemos 5.240 aventais”, aponta.
Participar das reuniões com professores e profissionais da Saúde garantiu a Beto mais conhecimento sobre os cuidados de combate contra o coronavírus.
Ele também destaca a ajuda que recebeu da Federação da Indústria esta semana. Foram doadas 75 máscaras laváveis. “Já foi uma grande força para nós”. (Brenna Amâncio / A GAZETA)