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Laboratório Charles Mérieux já treinava pessoal para exames de Covid-19 quando doença eclodiu na China

Oito passos separam a porta de entrada do ponto em que a caixa de isopor é deixada pelo emissário do hospital, contendo pequenos tubos chamados de falcons, preenchidos por material biológico suspeito de contaminação. A primeira remessa da tarde chega às 15h vindo da Fundação Hospitalar do Estado do Acre. A segunda, às 15h45, do Pronto-Socorro de Rio Branco, essa incluindo dezenas de amostras do Lar Vicentino Raimunda Odília, e a terceira, às 14h20, vem da UPA do Segundo Distrito.

Uma a uma, as caixas térmicas são colocadas em local demarcado com fitas de segurança em amarelo e preto, próximas de uma coluna de alvenaria. Dali, são retiradas pela biomédica Zenaide Ferreira, que desaparece pelas portas de entrada do Laboratório Rodolphe Mérieux, uma das oito instituições que compõem a Rede Internacional de Laboratórios de Pesquisa e Diagnósticos da Fundação Mérieux, com sede em Lyon, na França.

Quando a China já cuidava de sepultar os seus primeiros mortos por coronavírus, no Acre o gerente do Centro de Infectologia Charles Mérieux, o médico biologista molecular Andreas Stocker, iniciava em fevereiro os primeiros treinamentos de uma equipe de dez biomédicos, biólogos e farmacêuticos, para enfrentar no Acre o que viria a se tornar o maior desafio da humanidade nos últimos 100 anos, a pandemia de covid-19.

Começava uma corrida para converter o laboratório, montado no interior do Centro de Infectologia Charles Mérieux para estudo e enfrentamento da hepatite Delta nesta região, numa central de testagens de casos suspeitos de Covid-19.

“Iniciamos o treinamento ainda no início de fevereiro, e no dia 6 de março fizemos o primeiro exame PCR para detecção do novo coronavírus, causador da covid-19”, lembra Stocker.

O PCR é feito quando o ácido ribonucleico, o RNA do vírus, é transformado em ácido desoxirribonucleico, o DNA, que é ampliado em 100 milhões de vezes, por meio de fitas de DNA simples. Nessas amostras, observa-se se existem sinais do vírus. Se der positivo, é confirmada a suspeita de coronavírus.

Desde então, mais de mil testes já foram feitos pelo Mérieux, numa capacidade de processamento de ao menos 100 testes por dia, podendo chegar a 300 diários, quando entrar em funcionamento uma máquina, prevista para a próxima semana.

Depois que chegam as amostras, os tubos falcons passam por um cadastro e são colocados num freezer a uma temperatura de -80º C, onde vão aguardar a análise dos técnicos, que a essa altura já estão preparando outros exames com o material que estava à frente da fila da testagem.

Neste momento, 157 exames estão em análise no Rodolphe Mérieux. “Tivemos um aumento na demanda, nos últimos dois dias. Mas o nosso estoque de insumos está bom, com 4 mil para extração e reagentes e outros 4 mil para uso pela máquina”, explica Andreas Stocker. Outras oito mil análises de PCR estão previstas para chegar nos próximos dias.

Treinamento começou em fevereiro e primeiro exame PCR foi realizado em 6 de março (Foto: Odair Leal / Secom)

 

Voluntários são chamados de “gigantes por lição de generosidade”

“Não sei se a população do Acre vai, em algum momento, ter noção da gratidão que devemos à essa equipe, que trabalha incansavelmente, sete dias por semana, sem final de semana, nem feriado”.

O agradecimento de Stocker, em nota distribuída em grupos de aplicativos de comunicação da Saúde, revela o quanto os técnicos são estimados pela Fundação Mérieux, alguns deles em regime de internato, já há semanas pernoitando em um dormitório adaptado.

“Vocês são gigantes e estão nos dando uma lição de entrega, de comprometimento, de civismo e de generosidade”, adjetiva a nota.

A estrutura de ponta, voltada para o desenvolvimento de projetos de pesquisa em biologia molecular da Fundação Mérieux foi o que moveu a biomédica Zenaide Ferreira a se preparar para o mestrado em análises de componentes de células humanas. Ela conta que a sua rotina começa cedo, às 6 horas, e se estende muitas vezes para as 23 horas.

“Aqui, todo o dia aprendemos algo novo e, com a pandemia, nosso foco maior está sendo para a produção de exames. Me sinto feliz de estar contribuindo com as pessoas, nessa guerra [o enfrentamento do coronavírus]”, diz ela.

O Centro de Infectologia em Rio Branco foi, generosamente, doado pela Fundação Mérieux para o estado do Acre e, além de Rio Branco, outros sete centros estão espalhados pelo mundo.

Eles estão localizados estrategicamente em regiões onde há agravo de uma doença característica destes territórios. O Acre foi escolhido, por exemplo, por causa dos altos índices de hepatite delta, uma enfermidade rara em outras regiões do mundo e que vinha sendo estudada antes da pandemia.

A fundação mantém laboratório em Porto Príncipe, no Haiti, em Vienciana, capital do Laos, em Chittagong, no Bangladesh, em Antananarivo, Madagascar, na capital do Líbano, Beirute, em Bamako, capital do Mali, e em Lyon, na França, onde está a sede.

A agilidade com que os testes de covid-19 estão sendo feitos tem permitido uma rápida reação das equipes médicas e da Vigilância Sanitária, essenciais para a redução dos efeitos do vírus.

Os técnicos são a bióloga Rutilene Souza, as farmacêuticas Mariana Araújo e Karini Fernandes, as biomédicas Raiza Moreira, Aglanair Ferreira, Zenaide Ferreira e Aline Freitas, os biomédicos Luiz Fellype Alves, Jefté Teixeira da Silva e Robson Meireles. (Resley Saab / Secom Acre)

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