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Você usa máscaras para passar pelos dias?

Já usava antes da pandemia? Bem que usava, não usava? Todos nós temos muitas delas guardadinhas nas nossas gavetas internas. E tudo bem, desde que “enfeitem” nosso rosto vez por outra, mas conheçam de cor seu caminho de volta. E que nosso eu verdadeiro esteja livre e bem longe desse armário. Mas Roberta, não quero pensar sobre nada muito abstrato agora não.Pandemia, vai. Vamos falar de vida real?

Tá bom. Bora. Conto um pouquinho de meu domingo então. Estamos as meninas e eu há exatos 34 dias em casa. Exceto por uma única saída – delas – no 15º dia, para uma volta no quarteirão. Até que no sábado, minha filha mais nova pediu para andar na rua mais uma vez. Nosso apartamento dá para uma garagem e entendo que não está fácil viver tanto tempo apartada do mundo. Henrique, que trabalha no comércio e tem saído – sempre com toda a cautela – para embalar e enviar o que é
comprado na loja online, ponderou que talvez uma ida à padaria fizesse bem à menina. Eu tendo a discordar, mas ao ouvir seus argumentos, coloquei meu medo para dormir enquanto costurava uma máscara para a Sofia usar na aventura do dia seguinte. Ela, sentada do meu lado, fez para a boneca uma versão em miniatura.

Antes do sim final, expliquei que eles deveriam usar as escadas e não o elevador, que era proibido tocar em qualquer coisa, que quando chegassem, deveriam passar direto para o banho, sapatos para fora de casa e todo o mais que precisar ser dito e redito sempre. Lembrei que a rua estaria vazia, que as pessoas estariam também de máscara e que, talvez, ela estranhasse o bairro onde vive desde que nasceu. E dormi aquela noite pensando que minha filha era menos medrosa que eu, que negara
o convite para acompanhá-los.

Acordaram cedo para pegar a padaria vazia e foram. Ocorre que a rua estava cheia para um domingo de quarentena, e que as pessoas não estavam com as suas máscaras – as físicas, não aquelas sobre as quais falávamos no primeiro parágrafo –, e Sofia sentiu medo, ficou tonta e precisou parar um pouquinho e respirar fundo fora da padaria – que estava cheia – para não passar mal. Nesse meio tempo, o pai pagava o pão que esqueceu no balcão. Voltaram aflitos, somente com
o bolo que tinham escolhido sem se dar conta do que havia ficado pra trás.

Hoje, enquanto fazíamos o almoço, as meninas ouviam uma playlist com a trilha sonora de Steven Universo, vocês conhecem? É um desenho ótimo do cartoon Network. Sofi e a irmã cantavam a plenos pulmões enquanto descascavam as batatas. E a música dizia assim:

“Why don’t you let yourself just be somewhere different?
Why don’t you let yourself just be wherever you are?”

Estamos mesmo em um lugar diferente. É possível ver beleza e poesia em duas crianças cantando um desenho animado – ainda. E sim, a imagem da boneca de máscara é até fofa. Mas é também assustadora e triste. Por que não nos deixamos estar exatamente onde estamos? Sentir exatamente o que estamos sentindo? Tem muita coisa que ficou para trás para além do pão, não é? Muito armário fechado e muita gaveta aberta. Eita! Boa semana queridos.

“Por que você não se deixa estar em um lugar diferente?
Por que você não se deixa estar exatamente onde está?”

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