Querido(a) irmão(ã), sem dúvida estamos vivendo dias difíceis. O pânico põe em risco o autocontrole das emoções. Aos poucos renasce, com novas interfaces, o instinto de sobrevivência darwiniano onde o mais forte e com capacidade de adaptação toma o primeiro lugar. Consequentemente, os idosos e os pobres correm o risco de serem descartados. É o que tenho visto nestes meus 25 anos de sacerdote: tantas lutas e desigualdades sociais junto ao nosso povo.
Neste tempo, temos vistos antigas imagens de Deus que renascem ao interno da comunidade cristã. Para entendê-las temos que recordar os momentos tristes da história. Na segunda metade do sec. XIV explodiu a Peste Negra (peste bubônica), dizimando um terço da população europeia. Como toda sociedade teocêntrica, acreditava-se que Deus estava revoltado, pregou-se demasiado a ira divina. Dizia-se que tudo estava acontecendo porque a gravidade de nossos pecados desagradava a Deus.
Notemos que a recente epidemia do coronavírus, fez explodir uma série de reações religiosas e psicológicas deturpadoras do essencial. Dizia-se que a grande doença do sec. XXI seria a depressão, entendida como a exaustação do próprio eu – o cansaço de si mesmo – ou o infarto psíquico da própria imagem, causado pela corrida frenética de sucesso e bem-estar pessoal. Diante da explosão da epidemia, estamos testemunhando, infelizmente, um comportamento de medo em relação ao próximo. Se com a depressão o grande inimigo do homem era a sua própria imagem (o eu), agora com o coronavírus alguns insistem em dizer que o outro é o novo inimigo que devemos evitar.
Esse tipo de reação ameaça o valor sagrado da alteridade. No entanto, para sairmos deste labirinto temos que ouvir as autoridades e, sobretudo, as recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS, que propõe o tempo de quarentena, dando-nos assim, a oportunidade de estarmos mais unidos e nutrirmos mais ainda o respeito pela vida do próximo. Aqui reside a verdadeira alteridade. Precisamos por em pratica.
Do ponto de vista religioso, a situação é ainda mais delicada. Muitos grupos e comunidades intensificam orações, adorações e multiplicam missas pelas redes sociais e canais televisivos, mas sem a presença dos fiéis. Quero acreditar que tudo isso é realmente para evitar aglomerações, nos apoiarmos mutuamente e aprendermos acerca da solidariedade e da compaixão com o próximo.
Se jogarmos a culpa em Deus com comentários do tipo: Por que Ele está permitindo isso? Retornaremos aos tempos da peste bubônica e entraremos em campo com a multiplicação de orações para tentarmos aplacar a ira Dele. É Justamente isso que devemos refletir a partir de uma ótica que retoma o Evangelho e não a partir de uma tradição medieval.
Pois bem, um antigo rabino, certa vez, afirmou: “É verdade que Deus fala, mas nem sempre Ele responde”. Às vezes, a nossa forma de rezar pretende obrigar a Deus a dar-nos respostas e sinais. Tomados pelo desespero do coronavírus, podemos cair na pior de todas as tentações, aquela que tenta a divindade do Pai, ou seja, a exigência da demonstração de seu poder. No deserto, Jesus também foi exposto a isso quando o demônio lhe pedia para transformar as pedras em pães.
Porém, o próprio Jesus nos ensina outra relação com o Pai, a partir de sua fé e obediência absoluta, sobretudo diante das consequências de sua fidelidade ao Reino de Deus. Só o grito de Jesus na cruz pode nos ensinar uma nova espiritualidade para os nossos dias. O Filho grita e reclama ao Pai de seu abandono. Porém, Deus silencia. No entanto, mesmo que pareça que o Pai abandona o Filho, este por sua vez não abandona jamais ao Pai. Eis aqui a verdadeira fé!
Uma espiritualidade cristã em tempos de coronavírus não exige de Deus nenhum sinal ou a sua proteção, isso para não o tentarmos. E gostaria aqui, aproveitar a sua leitura, para lhe pedir que faça suas orações e preces por todas as vitimas, pelos profissionais da saúde, pelos pobres, desempregados e esquecidos:
Senhor Jesus, Médico dos médicos,
que curastes com amor os enfermos,
e nunca deixastes de acolher a todos,
vinde em nosso socorro, neste momento
em que o medo nos aprisiona.
Libertai-nos do mal da pandemia,
que avança sobre o nosso Brasil e todo o mundo.
Acreditamos, Senhor,
que tudo pode ser mudado pela força da oração.
Olhai por todos aqueles que estão
infectados com o coronavírus nos leitos dos hospitais,
em suas casas.
Acolhei junto a Ti as almas
de tantas vítimas desse vírus em todo o mundo,
e libertai do medo os que se encontram catalogados
como casos suspeitos.
Concedei-nos Senhor, a sabedoria para seguirmos
as orientações necessárias
neste momento em que caminhamos lado a lado
com o medo do contágio.
Amado Jesus, que não nos falte a fé e nem o discernimento
para nos prevenirmos contra o mal
que, rapidamente, tende a crescer a cada dia.
Auxiliai com Tua graça os profissionais da área da saúde,
para que tenham força, garra e cuidado com os irmãos enfermos, e
para que descubram a vacina contra o coronavírus.
Dai-nos Tua mão e concedei-nos a paz
diante desta tempestade que nos rouba a serenidade.
Em Ti confiamos, e em Teu Sagrado Coração
nos refugiamos neste momento em que o mundo
clama por Tua infinita misericórdia.
Assim seja!
Quem se lança nas águas profundas da perseverança aprende que, “quanto mais escura for à noite, mais clara será a madrugada” (Dom Helder Câmara). Que assim seja! Rezemos, oremos e elevemos ao Senhor nossas preces e suplicas. Paz e Bem.
Adaptado conforme: https://franciscanos.org.br/vidacrista/uma-espiritualidade-crista-em-tempos-de-coronavirus/ e https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/oracao/oracao-em-tempos-de-coronavirus/
Frei Paulo Roberto, Ordem dos Frades Menores Capuchinhos – OFM Cap.
Pároco da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida-Quintandinha-Petrópolis-RJ
Colaborador do Núcleo em Formação da Fraternidade da Ordem Franciscana
Secular-OFS, na Diocese de Rio Branco-AC
Encontro todo 3º Domingo do mês na Paróquia Santa Inês, às 09h00 (atividades suspensas).