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MPF emite nota técnica explicando sobre exposição em redes sociais de pessoas que descumprem isolamento

O Ministério Público Federal divulgou nota técnica sobre a questão do direito à imagem nesta pandemia de coronavírus, esclarecendo sobre a exposição de pessoas e servidores públicos que descumprem as medidas determinadas para o isolamento social. A nota é assinada pelo procurador da República Lucas Costa Almeida Dias.

A prática é muito comum em perfis criados em redes sociais que denunciam flagras de pessoas em festas, reuniões ou outras atividades temporariamente proibidas pelo Decreto do Acre n. 5.496/2020. A nota afirma que essa exposição é “simples exercício regular do dever republicano e do direito fundamental à liberdade de expressão”.

Confira na íntegra abaixo:

 

Nota Técnica n. 1/2020/GABPR5

 

Procedimento Administrativo n. 1.10.000.000132/2020-91

 

Direito à imagem – exposição de particulares e servidores públicos que descumprem as determinações de isolamento social – exercício de dever republicano e do direito à liberdade de expressão.

 

Nos últimos dias, surgiram perfis em redes sociais dedicados a expor ou denunciar pessoas que desobedecem às determinações de isolamento social impostas pelo Poder Público.

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, com fundamento no arts. 11 e seguintes da Lei Complementar n. 75/1993, esclarece que o ato de denunciar ou expor pessoas que promovem festas, reuniões ou outras atividades temporariamente proibidas pelo Decreto n. 5.496/2020 do Estado do Acre é protegido pelo dever republicano inerente a todos os cidadãos e pelo direito à liberdade de expressão.

No modelo republicano, as pessoas estão enraizadas em uma cultura pública que as estimula à participação ativa na vida da comunidade e, além dos direitos constitucionais, também têm deveres em relação à sua comunidade política. Dá-se ênfase às “virtudes republicanas” (Paulo Ferreira da Cunha) dos cidadãos e deles se espera alguma orientação para o interesse público voltada para o bem comum.

No plano cível, o art. 20 do Código Civil trata da proteção à intimidade e excetua a ilicitude na publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa, caso essas ações sejam realizadas com a finalidade de promover a manutenção da ordem pública. Ao julgar a ADI 4815, o Supremo Tribunal Federal dispensou a autorização prévia de indivíduos biografados, seus familiares e pessoas retratadas, porque esta seria uma forma de censura incompatível com a liberdade de expressão.

As restrições à privacidade podem ser objeto de limitações, que não esbarrem em seu núcleo essencial, e a jurisprudência admite a divulgação de matérias sobre a vida privada de alguém quando houver relevância pública na notícia (dentre outros, vide REsp 896.635/STJ).

No contexto de ponderação, prevalece o interesse público na notícia em detrimento da privacidade do indivíduo, porque quem viola as medidas de isolamento social incorre em crime (art. 267, com pena de 10 a 15 anos de reclusão, art. 268, com pena de 1 mês a 1 ano de detenção) e infração administrativa passível de multa (art. 7º, § 3º do Decreto n. 5.496/2020). Além disso, os servidores públicos respondem no âmbito administrativo disciplinar (art. 7º, § 4º do Decreto n. 5.496/2020) e da improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992).

A liberdade de expressão é altamente valorizada no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, garantida na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19), no Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 19) e na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 13) e é considerada instrumento para a consolidação da democracia e do debate livre de ideias (caso Abraham vs. United States). Além de ser protegida contra eventuais investidas autoritárias por parte de autoridades públicas, deve ser promovida para permitir que todos possam apresentar ideias, reflexões, críticas e denúncias, em espaços públicos.

As ações judiciais e ameaças realizadas contra quem expõe ou denuncia aqueles que infringem a lei pretendem silenciar ou desencorajar o exercício de determinado direito (“chilling effect”). Essas medidas não possuem outra finalidade senão a de inverter os papéis de certo e errado e conferir aspecto de vítima às pessoas que praticam atos ilegais (e criminosos!), ao tempo em que tentam oprimir aqueles que denunciam e expõem pessoas que descumprem as medidas de isolamento social, os verdadeiros infratores.

Logo, a simples utilização de imagem ou realização de comentários que remetam a fato verídico, mesmo que desabonador, referente à determinada pessoa, com a finalidade de criticar ou denunciar condutas ilegais, configura simples exercício regular do dever republicano e do direito fundamental à liberdade de expressão.

 

Rio Branco (AC), 11 de maio de 2020.

 

LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS

Procurador da República

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

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