Algum dos meus vizinhos, não sei se do prédio da frente ou do prédio onde moro, põe para tocar uma playlist – linda e adequada, aliás – sempre que um panelaço, um pronunciamento ou ambos, já que eles costumam vir juntos, se dá. A playlist é curta. Tem Cálice, Comportamento Geral, Apesar de Você e umas outras duas ou três que já não me lembro. De todas elas a que me põe igual a cada paralelepípedo da velha cidade é Vai Passar.
Primeiro porque me alegra profundamente a ideia de que o que nos angustia quando um dos eventos citados acima acontece pode mesmo passar. Esperança. E depois porque quero acreditar, e acredito – às vezes mais, às vezes menos – que o grande evento que tem nos movido nas últimas semanas também encontrará, no momento certo, oportunidade para virar memória. Polidez.
Não existe momento certo para que uma doença encontre seu caminho de saída. Certo mesmo seria nunca ter chegado. Certo mesmo seria me sentir à vontade para falar a real aqui com você. “…encontrar, no momento certo, oportunidade para virar memória”. Que conversa é essa? Bora reclamar juntos, chorar, a gente já se conhece há tanto tempo. Eu deveria gastar todas as linhas deste texto com “Minha gente!”, “Que loucura!”, “Que medo!” ou qualquer coisa que pareça mais adequada do que a playlist do vizinho. Minha gente, que loucura e que medo! Descontrole.
E pra quê controlar numa hora dessas? Bem, para seguir. Para conseguir. Seguir com. Se seguirmos juntos na angústia – que cabe, viu? – e na doçura também, a música do vizinho e a minha música, a pizza que as meninas fizeram ontem no jantar, a incerteza sobre o futuro próximo e mesmo sobre o distante, o chocolate que – ainda bem – sobrou da páscoa, o vazamento do banheiro daqui de casa numa hora dessas, as crianças pulando no videogame, o trabalho, a família, as notícias, as notícias, as notícias e até o Bonner pedindo calma no jornal nacional serão adequados. Continuidade.
A vida é teimosa minha gente. Ela segue. Ela comporta um tanto de coisas, mesmo agora. E é importante que seja assim, nem tanto ao combo ‘live, drinque e olha como São Paulo está menos poluída”, nem tanto ao “E agora José? A festa acabou”. Calma, vai passar!
*ROBERTA D`ALBUQUERQUE