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ARTIGO – No fundo – lá bem fundo

Já participou de algum desses aniversários online que a quarentena nos apresentou? Se não, fico feliz por você. Se sim, deve imaginar que vou dar uma reclamadinha, certo?

Sabe o que é? É que não faz muito sentido. É confuso, não há muito o que fazer, o que falar. E se falam, fazem todos ao mesmo tempo e, por essa razão, ninguém escuta nada. O aniversariante precisa sozinho dar conta de um bolo inteiro e se é um bebê, nem o bolo come. Os pais ali, tentando animar o que não se anima. Há sempre alguém que não consegue ligar, ou mesmo desligar, o microfone. Acontece igual com a câmera. Tio fulano esquece que se pode ouvir tudo e diz algo que não deveria, tia Sicrana não se deu conta de que a câmera estava ligada e faz careta para a nora. O outro pensa que se trata dele e não cala boca um minuto se quer. Tem quem fique com raiva porque não consegue ver todo mundo ao mesmo tempo.

– Cadê os quadradinhos, como faz?

– Clica nos três pontinhos, canto superior direito. Achou?

Coisa horrorosa. Eu não aguento. Mas fui a todas para as quais fui convidada, acredita? Sabe por que? É que faz sentido, no fundo – lá bem fundo –, faz sentido sim. É verdade que se perdem os cochichos dos encontros verdadeiros, os pequenos grupos, as conversas paralelas, perdem-se o bolo e os brigadeiros, a vontade de vestir roupa de festa, perde-se o beijinho no bebê aniversariante; mas, talvez, nunca tenha sido tão importante mostrar que seguimos juntos, que estamos presentes.  Que nos importamos uns com os outros, que a vida merece ser comemorada e que quem viveu mais um ano, ainda que seja o primeiro, está mesmo de parabéns.

Penso que o momento pelo qual estamos passando agora é como uma dessas festas. Dá uma olhada no feed das redes sociais ou mesmo dos portais de notícias, não é exatamente assim? Barulho de todos os lados, falas sem sentido de um, demonstração de desinteresse do outro. Gente que sabe, e gosta muito de saber, que está sendo visto, gente que esquece. Um desejo irritado de atenção contínua de alguns, uma vontade de fingir que estamos otimistas e que vai ficar tudo bem de outros, tudo isso cortado por rápidos silêncios constrangedores.

Eu sei, o convite para viver esse momento é duro de aceitar, mas como nas festas reais, vale fazer uma forcinha para aparecer. A vida é anfitriã queixosa, cobra presença. E se você se esconder esse ano, ela cobra em dobro no aniversário do ano que vem. Bora de pijama mesmo. Faz sentido.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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