Os crimes e golpes financeiros no Brasil estão num viés crescente nos últimos anos. As chamadas pirâmides são utilizadas por criminosos para “fisgar” vítimas sob a promessa de retorno expressivo de dinheiro em um curto espaço de tempo. E as moedas digitais são as novas ferramentas utilizadas por estelionatários. O país é considerado o maior mercado de criptomoedas de toda a América Latina. No ano de 2019, foram aproximadamente 10 bilhões de negociações em bitcoins. É a primeira vez que a marca é ultrapassada, o recorde anterior era de R$ 8 bilhões em 2017, ano em que a moeda virtual teve sua maior popularidade e valor de mercado.
A popularização desse mercado exponencial é uma excelente oportunidade para golpistas. Os criminosos criam supostos fundos/clubes de investimentos e prometem ganhos espetaculares para quem decide aderir à velha pratica da pirâmide financeira.
Pirâmides financeiras são proibidas no Brasil e configuram crime contra a economia popular (Lei 1.521/51). Com promessas de retorno expressivo em pouco tempo, essas e outras modalidades são consideradas ilegais porque só são vantajosas enquanto atraem novos investidores. Assim que os aplicadores param de entrar, o esquema não tem como cobrir os retornos prometidos e entra em colapso.
Especialistas contabilizam mais de 100 casos suspeitos em atividade no Brasil. Recentemente em Santos, no litoral de São Paulo, milhares de pessoas foram supostamente lesadas em um esquema de metodologia “Madoff”, assim denominado em virtude da sua forma ser inspirada nos golpes de Bernard Madoff, operador renomado de Wall Street e fundador da Bernard L. Bernard L. Madoff Investment Securities LLC Madoff Investment Securities LLC, que foi condenado a 150 anos de prisão no dia 29 de julho de 2009, acusado de estar por trás de um esquema multibilionário e fraudulento conhecido como Ponzi.
Como as pirâmides, o esquema “Ponzi” que infelizmente é muito comum, oferece um rendimento muito acima do mercado e necessita de cada vez mais investidores para se tornar sustentável e pagar os mais antigos. O denominado Madoff é um subtipo do esquema Ponzi, sendo menos comum no Brasil, pois diferentemente dos golpes convencionais, este tipo de ação oferece rendimentos que são plausíveis aos olhos de investidores mais informados, geralmente oscilando entre 1 a 5% de ao mês. Além de projeções de rendimento tentadoras, as propostas de investimento geralmente vêm acompanhadas da expressão “retorno garantido”.
Outro caso recente aconteceu na cidade de Lorena, interior de São Paulo, no qual cerca de 7 mil investidores da SFO Holding, que tiveram a promessa de que ao emprestar seu dinheiro à empresa teriam lucros de no mínimo, 7% de juros ao mês, valor muito acima de outros investimentos no mercado.
Importante destacar que em todos esses casos os ganhos prometidos estão muito acima do mercado. O investidor deve desconfiar de qualquer empresa que prometa investimento em bitcoin com “retorno garantido”. O bitcoin é uma moeda virtual e como qualquer moeda, está sujeita a oscilações, para cima e para baixo. No caso da empresa sediada em Santos, o investimento mínimo era de R$ 30.000,00 e retorno inicial a partir de 3% ao mês. A empresa alegava que os ganhos eram gerados a partir de operações de arbitragem na compra e venda de moedas virtuais nas principais plataformas de negociação em todo o mundo.
O resultado é que milhares de brasileiros estão sendo vítimas destes golpes e, muitas vezes, perdendo todo o rendimento financeiro conquistado durante toda a vida. Recrutamento de grandes e renomados investidores para dar mais credibilidade ao seu negócio, bem como ausência de transparência sobre o mecanismo que permite os lucros acima do mercado, ou histórico que comprove a veracidade das operações, são usuais nessa modalidade de crime previsto no artigo 2º da Lei nº 1.521 de 26 de Dezembro de 1951, que prevê pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.
Além do crime mencionado, uma série de outros delitos pode ser atribuído aos golpistas de pirâmides e esquemas Ponzi travestidos de clubes /grupos de investimento em criptomoedas, dentre eles o crime previsto do artigo 27 E da Lei de Mercado de Capitais (Lei 6385/1976), que penaliza com detenção de seis meses a dois anos quem exerce ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, a atividade de administrador de carteira, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou qualquer outro cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado na autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento.
Também pode recair em crimes contra a ordem econômica, previstos na Lei 8137/1990, bem como no crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal, com pena de reclusão prevista de um a cinco anos.
No tocante a esfera federal, os acusados poderão vir a responder pelos crimes previstos no art. 4º (gestão fraudulenta), no art. 7º, II e IV (negociação de valores mobiliários sem autorização ou registro prévio), art. 16 (fazer funcionar instituição financeira sem autorização legal), todos da Lei 7.492/86, art. 288 do Código Penal (associação criminosa) e lavagem de dinheiro.
Com modos usuais, as pirâmides financeiras e esquemas “Ponzi” costumam ter fases comuns que inicia com uma euforia quando o número de investidores está crescendo, e os mais antigos estão sacando, passando por um momento onde os investimentos se estabilizam e a empresa começa a atrasar os saques. Uma terceira fase ocorre, quando não consegue pagar os resgates e cria justificativas, como problemas operacionais e até ataques de hackers ou desvios de recursos. Já numa quarta fase, vai enrolando os investidores, afirmando que os valores serão pagos, mas os problemas operacionais não permitem, e pede mais uma semana, um mês ou alguns dias, desembocando em uma fase final. É quando existe uma admissão de quebra e oferece um contrato de confissão de dívida para o investidor, dando a ilusão que ele terá uma garantia de que receberá.
Na esfera criminal, medidas devem ser tomadas visando assegurar futura indenização das vítimas da infração penal. O fito precípuo de tais medidas é o de, em sentido amplo, garantir a satisfação, em caso de condenação, de eventual pena de multa, custas processuais, ressarcimento dos danos causados pela perpetração delitiva, bem como conferir eficácia às decisões que refreiam a sofisticação dos atos de mascaramento de organizações criminosas. O sequestro, o arresto e a hipoteca legal são os tipos de medida assecuratória que estão normatizados no Código de Processo Penal, do art. 125 ao 144-A.
Dentre os efeitos da condenação dos acusados, o primeiro é a obrigação de reparar o dano, contido no inciso I do artigo 91 do Código Penal, assim como no inciso do artigo 515, inciso VI do Código de Processo Civil em vigor (antigo artigo 475-N do Código de Processo Civil revogado). A esfera penal encerra salutar medida de economia processual, pois livra a vítima e/ou seus sucessores da obrigação de buscarem, na esfera civil, um novo reconhecimento do dever do condenado de indenizar o ilícito praticado.
*Jorge Calazans é advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da ANACRIM e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados