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ARTIGO – Travada

Esfriou ontem em São Paulo. E se esfria, doem as minhas costas. Doer, elas doem sempre, mas é como se eu me desse ao direito de percebê-las com mais detalhes quando a temperatura cai. Eu quase escuto cada uma das vértebras reclamando espaço. Começa na lombar, quase no cóccix, coisa horrível. Já contei sobre como quebrei o cóccix? Não? Pois se contei, conto de novo. Já que quem faz uma fratura dessas, deve ter, no mínimo, o direito de dividir o lamento. Montanha-russa, dá para acreditar? Naquele impacto do freio repentino, sabe?

Depois desse dia, nada foi como antes. Agora estão aqui as vértebras todas a fazer o seu barulho, a maldizer o inverno paulistano. Por que será? Será a bolsa de água quente? Desde o primeiro dia de inverno até quando já é calor, e luto para me convencer que já não faz mais sentido acompanhá-la, passo o dia a digitar 2:12 no microondas.

Achei graça quando a Lalá me disse, no sábado, que a bolsa funciona como um bichinho de pelúcia pra mim;”Cadê seu ursinho mami, tá no micro?”. Sim. Ou está no meu colo ou no micro, 2:12. Mas se doem as costas, o colo dá lugar a elas. E aí é uma ginástica. Há de equilibrar o aperto (que precisa ser o suficiente para aliviar a dor) e o espaço. O aperto, assim muito apertado, fura a bolsa e inviabiliza o ursinho. Catástrofe. Pois que entre o aperto e o espaço, ganha a tensão. Aí já começam a doer os ombros e neles, colo aqueles emplastros mágicos que produzem calor sem nem precisar de microondas, conhecem? Ocorre que eles me dão alergia e não precisa nem bater seis da tarde para as minhas costas estarem vermelhas, fervendo, travadíssimas e imprestáveis. Frente fria é igual a costas quentes.

Acordei hoje pensando no freio brusco da montanha-russa. O real quebrou meu ponto de equilíbrio e deixou rastro no meu eixo central, a coluna. E esse freio de vida que enfrentamos todos agora? De quantas bolsinhas de água quente vamos lançar mão para retomar vértebra por vértebra? Reconhecer o impacto pode ser a primeira delas. Vamos juntos, o inverno há de passar. Passa todo ano. Boa semana queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…   

E-mail: robertadalbuquerque@gmail.com

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