Lara, minha filha mais velha, definitivamente, não é minha leitora mais assídua. Por vontade própria, não começa nenhuma leitura com a minha assinatura há um bom tempo. Sempre que peço – e quase forço – que escute uma dessas colunas, ela reclama e disfarça dizendo que prefere quando escrevo ficção. “É que essas coisas você já me fala ao vivo mãe. E depois, amo quando você inventa”. Eu também. Mas é que a vida anda tão ficcional que tem sobrado pouco espaço em mim, tanto para inventar quanto para ler a invenção de outros. Estou com, pelo menos, três romances pela metade na minha mesinha lateral.
Semana passada, quando repetimos pela milésima vez este diálogo, ela me falou que não ia ouvir não. E que se eu estivesse com muita vontade de lhe ler alguma coisa, que fosse o texto da moça que adiantou o relógio. Fiquei contente por saber que ela de fato gosta das ficções. E que, ainda melhor, aparentemente tem a sua favorita.
A história da moça do relógio conta de uma mulher, que prometeu à família que naquele ano, conseguiria tirar, pela primeira vez na vida, 30 dias de férias. O esquema estava previamente combinado com o chefe. Havia uma viagem agendada e mil planos em curso. Até que às 17h45 do último dia de expediente, ele lhe chama na sala de reunião e diz displicentemente que o departamento pegou um novo projeto e que ela poderá ficar no máximo 20 dias fora. A moça então cria um plano complexo para fazer as horas andarem mais rápidos em todos os relógios da família. Cada uma hora e meia passaria em 60 minutos. Toda uma matemática louca de pano fundo para falar de alguém que tenta fazer caber o que já não cabe.
Eu penso que Lalá não lembrou dessa história à toa. Estamos vivendo exatamente isso. Nos colocamos entre o desejo de acelerar as horas e o de atrasá-las. Fazer durar e fazer passar rápido e indolor. A moça do relógio vai, ao longo dos capítulos, se dando conta da complexidade da missão. Nós vamos, ao longo dos dias, nos dando conta de sua impossibilidade. Avante. Boa semana queridos.
* Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
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