A pandemia do novo coronavírus gerou uma crise financeira e econômica ainda maior no Brasil. Muitos trabalhadores perderam o emprego com o fechamento de empresas. Os autônomos e o comércio, de forma geral, sentiram o peso desse momento. Desde o início da pandemia, a Diocese de Rio Branco, por meio da Cáritas, organismo da igreja católica, abriu uma campanha para ajudar as famílias que ficaram sem emprego e sem renda fixa mensal.
De acordo com Aurinete Brasil, assessora da Cáritas e da Pastoral do Migrante, em março de 2020 foi lançada a Campanha “É Tempo de Cuidar”, em nível nacional, por meio da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB) e da Cáritas Brasileira, com o objetivo de arrecadar alimentos, material de higiene pessoal e kits de higiene doméstica, além de remédios, roupas, calçados, eletrodomésticos. E nessa mesma época, a Diocese de Rio Branco também começou uma campanha chamada “Igreja Solidária”, e por meio das doações, tem contribuído com muitas famílias em vulnerabilidade social, em especial às mulheres que são donas de famílias e criam seus filhos sozinhas, muitas delas sem a ajuda do pai; idosos, pessoas autônomas que estão sem trabalhar em razão da pandemia, profissionais que perderam seus empregos, pessoas com doenças crônicas, com necessidades especiais e aqueles que não conseguiram ser incluídos no Auxílio Emergencial.
Segundo Aurinete, desde março, já foram atendidas em torno de 6 mil pessoas no Acre, todas oriundas de famílias carentes, em vulnerabilidade social, abaixo da linha da pobreza.
“Nossas ações são realizadas com muito cuidado para não ter duplicidade de doação, porque em um momento que têm várias instituições voltadas para isso, às vezes, pode ocorrer de uma família só receber mais de duas doações. Portanto, estamos com um cadastro seletivo, com critérios, também trabalhando em conjunto com os CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) de cada regional para não dar duplicidade. Temos cuidado ainda para que aquela família mais numerosa seja atendida com a quantidade adequada de alimentos”, explica.
Fronteira fechada
Com o aumento no número de casos de Covid-19 no mundo, vários países tomaram medidas mais radicais para tentar conter o vírus. O fechamento da fronteira em Assis Brasil, no interior do Acre, com Iñapari, divisa do Brasil com o Peru, foi uma dessas medidas. A divisa de Epitaciolândia com Pando, na Bolívia, também foi fechada por tempo indeterminado.
Aurinete Brasil conta que isso acabou por gerar uma aglomeração de pessoas nas fronteiras. Chegou um momento que haviam mais de 240 pessoas de várias nacionalidades retidas no local, entre elas senegaleses, egípcios, haitianos, venezuelanos, peruanos e também brasileiros. Atualmente a equipe acompanha 180 migrantes, dentre eles venezuelanos, senegaleses, haitianos, colombianos, mexicanos, cubanos.
“O que acontece com o fechamento da fronteira por causa da pandemia? Essas pessoas ficaram ali praticamente na rua. E o índice da contaminação ainda nem tinha chegado em Assis Brasil. Então houve uma ação conjunta entre prefeitura de Assis Brasil, o Estado e as organizações da sociedade civil, como a Cáritas e a Pastoral do Migrante, para acolher essas pessoas, pelo menos nas escolas que estavam ali sem aula. E assim foi feito”, afirma Aurinete.
Inicialmente, famílias com grávidas ou com mulheres que tinham bebês recém-nascidos foram encaminhadas para hospedarias, em razão da necessidade de cama e banheiro interno.
Os migrantes na fronteira ficaram sendo alimentados, em um primeiro momento, pela prefeitura de Assis Brasil, com apoio do Estado. “Foi feita também uma atividade conjunta para encaminhamento de colchões, além de alimentação e itens de limpeza doméstica e higiene pessoal”.
Naturalmente, com o passar do tempo, a prefeitura de Assis Brasil começou a ter dificuldades para manter e arcar com as três refeições diárias (café da manhã, almoço e janta). O município, que fica no interior do Acre, é pequeno e tem recursos limitados.
As doações recebidas já não bastavam. Por isso, a Cáritas Brasileira e a Cáritas Diocesana elaboraram um projeto e, juntas, conseguiram a doação de um valor pela Organização Internacional de Migração (OIM). Assim, a alimentação foi garantida pelos meses de julho, agosto e setembro deste ano para essas pessoas.
“O grupo tem diminuído, pois estão regressando para os Estados de onde vieram. As pessoas que ainda estão na fronteira são aquelas que tinham trabalho no Brasil, mas com a crise da pandemia foram demitidas. Eles estão voltando pelo Peru para ir para o México e Estados Unidos em busca de melhores condições de vida. Contudo, sabemos que não é bem assim. Essas pessoas que ficam à mercê de que abram as fronteiras deveriam estar em quarentena, mas a gente não consegue garantir isso, porque eles têm o direito de ir e vir também”, declara Aurinete.
Equipamentos de proteção individuais, como máscaras faciais, álcool em gel, foram doados pela Cáritas, Estado e Município.
Até o momento, não houve sinalização de que os países de origem dessas pessoas irão ajudar na questão, que já é assunto humanitário. “Está quase estrangulando o sistema no sentido de não ter mais condições de acompanhá-los com alimentação, pois são três refeições por dia. Muita coisa é consumida. Nem o Município e nem o Estado é obrigado a arcar com todas as despesas dos outros nacionais. Esses países não ajudam. A Venezuela não vai mandar nada de apoio. E os outros países como que ficariam?”, desabafa Aurinete.
Plano de ação
O defensor público federal Matheus Nascimento, que participa do Grupo de Trabalho da Defensoria Pública da União (DPU) sobre Migrações, Apatridia e Refúgio, diz que a situação já é discutida a nível nacional.
“Existem verbas no Ministério da Cidadania para esse tipo de trabalho, sendo que é necessário que os entes federativos apresentem um plano de ação para que seja analisado. Uma vez homologado, eles vão conceder uma verba para ajudar nessa questão. O que me passaram em relação ao Acre e municípios é que o valor dessa verba é interessante, mas que é insuficiente para dar conta do trabalho. Ainda assim é necessário que aconteça”, declara.
O defensor explica que já foi apresentado um plano por parte do Município de Rio Branco, que aguarda alguns apontamentos finais por parte do Ministério da Cidadania, para depois apresentar um projeto final para que haja esse acolhimento. “Foi acordado que o Estado ficaria responsável pelos migrantes indígenas venezuelanos da etnia warao, e o Município ficaria por conta dos não-indígenas”, aponta.
Ainda não é possível dizer a quantia certa que será disponibilizado ao Acre, mas Matheus Nascimento faz uma previsão. “O valor é quantificado com a quantidade de migrantes que o Município ou Estado vai atender. Em média é de cerca de R$ 400 por pessoa. Acredito que eles mandam a verba por seis meses. É mais ou menos isso como funciona”.
O defensor público federal afirma que, independentemente dessa ajuda financeira da União, é obrigação do Estado e dos Municípios agirem o quanto antes para promover alimentação aos migrantes em situação de vulnerabilidade. “Muito disso já tem sido feito, mas é preciso ser feito mais. Os indígenas venezuelanos continuam em uma casa abandonada”, destaca. (BRENNA AMÂNCIO / Da Redação A GAZETA)