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ARTIGO – Kant e moralidade brasileira

No final da semana que passou estive debruçada na leitura de um texto de Immanuel Kant, na obra “Crítica da Razão Prática”. Nela percebo como as verdades são eternas, aplicáveis à conduta de todos os povos. Há uma passagem bem conhecida que diz assim, “Duas coisas me deixam maravilhado: o céu estrelado por sobre mim e a lei moral dentro de mim”. É dessa moralidade que farei, neste texto, breve reflexão. Como essa tão apregoada moralidade de Kant funciona no Brasil, essa terra “do faz de conta”? Eu tenho andado cada dia mais desiludida. A corrupção é assustadora e os rumos políticos incertos. A moral e a ética são valores vilipendiados no cenário nacional. Uma vergonha. Qual a solução? O que diria, hoje, Kant?

Iniciamos a reflexão: a Moral é o conjunto de normas que regulam o comportamento das pessoas em sociedade. Então a Moral é compreendida como um conjunto de valores. Enquanto a ética é um conjunto de normas. A Ética é a forma pela qual as pessoas devem se comportar no meio social. É a ciência da conduta humana. Está ela intimamente relacionada ao caráter das pessoas. A Ética seria a ciência que estuda a conduta humana e a Moral seria a qualidade desta conduta.

Sobre a filosofia da Kant, em “A crítica da razão prática”, afora o grau de dificuldades que tem essa obra, eu penso que esse professor abstrato, que escrevia em estilo abstrato, sobre questões também abstratas, é a fonte primária da ideia mais perigosa de todas para a fé (e, portanto, para as almas): a ideia de que a verdade é subjetiva. É essa subjetividade da “verdade” que vivemos no Brasil de hoje, esse “país da era da corrupção e desmandos”, que está profundamente mergulhado na podridão política. Não se sabe se alguém se salvará. Tudo depende dessa “verdade subjetiva”.  Cada dia um novo escândalo e todos, sem exceção, se dizem inocentes. Não há culpados!

O mais grave de tudo é que muitos desses “monstros” vivem sob a permissividade do  Presidente da República, que os recebe, com as regalias de reis; dos legisladores que fazem estranhos acordos de delação premiada, como é o caso de Wesley e Joesley Batista. Eles pagarão R$ 225 milhões (troco) e saem do país com fidalguia. Um deles num avião moderno e acompanhado de vassalos. Afinal, a verdade sobre “corrupto e corruptor” mudou nesse caso? Os outros delatores estão na cadeia, eles (Wesley e Joesley) estão em New York, em mansões de luxo. O acordo fechado com eles prevê que os dois não serão, sequer, denunciados criminalmente pelo Ministério Público Federal. Ou seja, não correm o risco de serem presos, nem de usar tornozeleira eletrônica, como os executivos de outras empresas envolvidas na Lava-Jato. Além disso, ficou acertado que eles poderiam continuar no comando de suas empresas mundo afora.

Por todos os casos de corrupção veiculados, entendo que não basta denunciar, delatar, demitir, prender. É urgente devolver ao povo o que é do povo! É preciso buscar convergências em favor da decência nos bens públicos.  É urgente ter um Congresso Nacional limpo, composto de gente decente, que ganhe o salário que ganha a maioria dos brasileiros. Afinal, onde se viu tantas regalias?! Quem tem muito sempre quer mais. É como diz o velho dito popular “A medida do T nunca enche”. Por isso não aponto caminhos que não seja o educacional. Se todos esses bilhões tivessem sido investidos em EDUCAÇÃO a nossa realidade, hoje, seria outra. Concordo com o provérbio chinês: “Se você quer um ano de prosperidade, cultive trigo. Se você quer dez anos de prosperidade, cultive árvores. Se você quer cem anos de prosperidade, cultive pessoas.”. Cultivar pessoas é educá-las para a vida em sociedade. Isso porque  não há sistema bom que resista intacto a pessoas más. A qualidade individual dos políticos, no Brasil, faz toda diferença. Também, como se isso não bastasse, nosso sistema político não é virtuoso.

Ademais, esse sistema partidário, no Brasil, está caduco. As legendas se juntam por causa do tempo de televisão e se mantêm unidas ou se separam a depender da fatia do Estado que lhes é dada a controlar. No comando de áreas da administração, de estatais ou de autarquias, ocupam-se de roubar o dinheiro público para fazer caixa para o partido — sem contar, obviamente, os que se dedicam ao enriquecimento pessoal.

Por que o Brasil está entre as nações mais corruptas do Planeta? Será o nosso sangue latino? O calor dos Trópicos? A miscigenação? A herança patrimonialista ibérica? Que determinismo sociológico, histórico ou climático ou, ainda, qual teoria, estupidamente racista, explicaria tanta lambança? Acredito que o desastre tem um nome: PISTOLAGEM POLÍTICA. Os JBS da vida estão sempre em busca de quem lhes possa franquear as portas da administração e garantir acesso aos cofres públicos.

Por isso, entendo que enquanto os governantes brasileiros tiverem à sua disposição milhares de cargos dos quais dispor, livremente, para acomodar os interesses e apetites dos partidos, nada mudará; enquanto a economia brasileira for, como é hoje, estado-dependente, continuaremos no lamaçal; enquanto tivermos um sistema eleitoral que descola o eleito do eleitor, caminha-se para o abismo; enquanto os nossos partidos forem meras agências de aluguel de tempo de TV, a ladroagem continuará nos Estados e nos políticos.

Essa realidade, assaz desesperadora, ao mesmo tempo em que desencanta e desestimula, permite que possamos refletir sobre as fontes dos infortúnios brasileiros, entre as quais a crescente crise moral. Não bastasse a inflação e a vergonhosa posição do Brasil em todos os indicadores de desenvolvimento e civilidade, as notícias veiculadas pela mídia, nos últimos tempos, levam-nos a concluir que vivemos em estado de barbárie. A crise no Brasil não é somente econômica, é, sobretudo, social e moral. Assim, eu creio que não poderia haver melhor momento para o povo brasileiro fazer profunda reflexão comportamental e mudar a cultura naquilo que diz respeito às transgressões, levar vantagem em tudo. É o momento de incentivar campanhas sobre ética e moralidade. A Educação é o único caminho viável, pois, na visão de Kant, “é somente a partir da educação que o homem pode alcançar, com plenitude, sua humanidade, pois a educação o “constrói.”


DICAS DE GRAMÁTICA

SÃO UMA HORA DA TARDE ou É UMA HORA DA TARDE, PROFESSORA?

– Não esquecer que o verbo deve, sempre, concordar com as horas. Assim diga: “é uma hora da tarde”, “são duas horas da tarde” e assim por diante. Ainda, sem esquecer de dizer que “são doze horas”, mas se for substituir o “doze horas” por “meio-dia”, então diga “é meio-dia”.

HOUVERAM MUITOS DESENTENDIMENTOS ou HOUVE MUITOS DESENTENDIMENTOS?

– Quando ao verbo haver for atribuído o sentido de existir ou acontecer, ele é impessoal, isto é, sem sujeito, portanto, só pode ser usado no singular. O correto é “houve muitos problemas”.


(*) Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Academia Acreana de Letras; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da International Writers And Artistes Association – IWA; Professora aposentada da UFAC;  Embaixadora da Poesia pela Casa Casimiro de Abreu; Pesquisadora DCR – CNPq/FAPAC; Poeta, Escritora.

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