Minha família por parte de pai é um grupo de excelentes contadores de história. Ele, meu pai, é especialmente habilidoso para fazer um acontecimento qualquer adquirir ares de romance. E, embora repita com alguma frequência as narrativas dos D’Albuquerque de ontem e de hoje, nunca cansei de ouvi-las. Primeiro porque é bonito vê-lo empolgado com o que diz – vê-lo é sempre bonito independente do que ele esteja a dizer ou fazer –; depois, porque tem vocabulário rico e pronuncia as palavras todas com grande clareza; e por fim, porque as histórias na verdade nunca são as mesmas. Ele as enfeita, com um detalhezinho aqui, outro acolá. Há quem diga que inventa, eu chamo de talento.
Pudera. Era o filho caçula de Maria das Neves Abdon de Albuquerque. Maria das Neves que nunca fora Abdon. Decidiu da própria cabecinha criativa acrescentar um sobrenome que não lhe deram e o registrou em todos os documentos que encontrou pelo caminho. Não passou o Abdon para nenhum dos filhos, mas deixou de herança a todos eles um trabalho danado para resolver a papelada do inventário.
Segundo meu pai, foi de vovó Neves que ouviu a história de tia Violeta. Uma moça jovenzinha de Nova Cruz que apaixonou-se perdidamente por um rapaz da mesma cidade. Por uma dessas sortes lindas da vida, o rapaz apaixonou-se de volta e, em um intervalo curto de algumas semanas, a data do casamento foi agendada com o consentimento das duas famílias. A futura sogra de tia Violeta caiu de encantos pela menina que dedicava todas as horas do dia ao enxoval e ao planejamento da cerimônia. Pois se a vida é de um lado linda e cheia de sorte, de outro, pode ser trágica e surpreendente.
Há exatos dois dias do sim, o destino disse não a Violeta. O noivo acordou morto e dormiram com ele o ânimo da menina e a sua vontade de continuar respirando. Nova Cruz se fechou em luto profundo. Os presentes ainda chegavam na casa da noiva quando ela batia a porta rumo ao velório do moço de cujo nome nunca me recordo. Os meses passaram ajudando todos na resolução do luto como deve ser.
Todos menos Violeta. A futura sogra já tinha parado de usar preto quando recebeu o recado da mãe da viuvinha a chamando para a despedida. A menina definhava em dor e, decerto, morreria em poucos dias. A senhora decide então pedir a quase nora um último favor. Por amor a meu filho, me acompanhe a uma viagem de navio, quem sabe não nos recuperamos juntas. Partiram.
No navio, Violeta foi cuidada com grande zelo por todos os tripulantes e passageiros que se comoviam grandemente com a sua história. Em especial Alencar, que também recém viúvo compreendia como ninguém as lágrimas da menina. Compreensão vai, compreensão vem, casaram-se ali mesmo, em alto mar, sob as bênçãos do capitão.
É isso mesmo painho? Ou inventei alguma coisa?
* Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…