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ARTIGO: A plenos pulmões

“Passei dezembro inteiro com o nariz tão congestionado, que na meia noite do dia 31, só me veio à cabeça uma única promessa: que eu valorize cada respiraçãozinha este ano. Enquanto durmo, faço exercício, leio, me divirto na internet, vivo. É simples, pouco até, mas é lindo, grande, quase mágico, que esse micro movimento, possa nos dar fôlego para mudar tudo. Para fazer o que der e o que parecer impossível. Feliz ano novo queridos, com fartura de ar.”

Esta sou eu no primeiro texto que escrevi a vocês em janeiro de 2020. Lê de novo o que eu desejava pra nós: fartura de ar. Desejo verdadeiríssimo. Mas havia algo digno de nota que o texto não mencionava; a razão de meu nariz congestionado. Em dezembro de 2019, minha vida virou ao avesso. Tudo que era certeiro até então caiu por terra. E chorei, chorei como nunca. Dormi noites e noites com um aturgyl trancado na mão na tentativa de retomar algum oxigênio. Naquela altura, parecia difícil imaginar um futuro possível.

Mas, alí mesmo, na frase que antecede este parágrafo, ainda que por acidente, eu me dava pistas de que esse futuro, que parecia tão estacionado, sempre teima em achar passagem. Algumas linhas antes eu dizia: “É engraçado pensar no quanto acreditamos controlar as nossas vidas, não é? Somos responsáveis por um tanto, claro. Mas há muito a ser vivido no improviso. Há muita surpresa no caminho”. Pois que março nem acabou para o mundo inteiro dar falta desse ar, tanto o real, quanto o metafórico. Respirar com as máscaras de pano, as da incerteza, as do medo, as da desesperança, foi tarefa dura em 2020. E por vezes, o fôlego foi mesmo escasso.

A minha questão pessoal saiu de mãos dadas para passear com a coletiva, de novo, do mundo inteiro, aquela impensável de tão grande. E foi impossível uma não colocar a outra em perspectiva. Passado exatamente um ano, no meu pedacinho, tudo virou mesmo de cabeça pra baixo. Deu medo, mas como num desses passeios de montanha russa, saí do carrinho com vontade de viver mais, de viver maior. Saí com a sensação de que valeu pagar o ingresso. Do nosso pedaço coletivo não saímos ainda, mas cada respiraçãozinha valeu a pena. Sigamos coletivos, nunca estivemos tão perto. Escrevo a vocês, queridos, a plenos pulmões, o mesmo desejo: feliz ano novo, com fartura de ar.


(*) Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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