“Atenção para a autoestima desse teu gato, Rô”. Foi meu último analisando de sexta falando de si – como se não estivéssemos sempre falando de nós mesmos – enquanto comentava a conduta do bicho. A cena é a seguinte, ele no meu colo – o gato – pose de bebê; o ângulo da câmera do computador tira o bebê-gato do corte, mas se eu paro um segundo de acarinhá-lo, uma patinha fura o plano e pede por mais. Autoestima porque sabe que é pedir e levar, certo de que será atendido em sua demanda de amor.
Esse poder pedir sem filtros, ou melhor, esse precisar de tanta de confirmação do outro é mesmo autoestima? O que vocês acham?
Sabe a Karina Buhr? Gosto tanto dela. De suas músicas todas, minha segunda favorita chama-se Amor Brando. Lá pelas tantas ela diz assim: E eu te peço que se aproxime de mim um pouco. Mas não tanto, a ponto de eu sentir sua falta quando você for embora. O gato pede pelo exato oposto; não se afaste, sinto a sua falta quando você vai embora.
Meu analisando falava sobre a dificuldade que tem de dizer de si para a moça por quem anda apaixonado desde o fim do ano passado – daqui, escuto uma dificuldade ainda maior, a de dizer de si para si. “Tem que ser estratégico, Rô. Se fui eu que entrei em contato e criei condições para o último encontro, morro de saudades calado, mas não escrevo antes de uma próxima mensagem dela. Ainda tenho alguma autoestima”. Autoestima porque pensa ser importante levar sem precisar pedir, certo de que será entendido em sua emancipação de afetos.
Esse não poder querer sem filtros, ou melhor, esse precisar de tanta de confirmação do outro é mesmo autoestima? O que vocês acham?
Será que estamos no terreno do medo? De entristecer, de se machucar, de questionar o quanto gostamos/estimamos/pretendemos o que quer que seja. O gato pede por carinho, mas preenche a vida com muito mais do que meu colo. Brinca com o irmão, toma sol na varanda, arranha os móveis e destrói um tanto de coisa. Ao contrário do que diz o analisando, arrisca administrar a minha mágoa pelo casaco que acabou de puxar o fio quando estende a patinha em minha direção. Não é certeza, nem autoestima, é só desejo. E colocar o desejo na mesa é jogo perigoso mesmo. Desde que ele não seja único, desde que a mesa – da vida – esteja repleta de outras cartas, penso que vale jogar. Vale se jogar.
A minha música favorita da Karina chama-se Dragão, lá pelas tantas, ela diz assim: Mordida, a pele fica ferida. Prossiga no rastro, no pasto e siga a vida. Por fim, a tristeza é amiga da onça. Ensina a enfrentar leões.
Boa semana, queridos!
(*) Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…