Semana retrasada me dei conta de que já não ia ao consultório desde janeiro. Pensei que aquele afastamento todo era um tanto absurdo, não sei exatamente por que. Sábado eu vou, prometi. Sei lá, pra ver se tá tudo bem. Mudei para esse prédio novo em dezembro. No total estive quatro vezes lá: no dia da visita com o corretor, no dia de combinar a reforma com o pedreiro, no dia de ver a reforma pronta e uma última vez para uma sessão de emergência que precisava mesmo ser presencial.
Fazia tanto tempo, que perdi a chave.
Semana retrasada me dei conta de que não chamava alguém para fazer uma limpeza profissional nesse apartamento desde outubro. Não é que tivesse nada descuidado não, mas incrível também não estava. Essa semana vou contratar alguém, prometi. Sei lá, pra ver se seguro a onda sozinha, de novo, por mais uns seis meses. Mudei para esse prédio novo em outubro mesmo. No total chamei uma faxina uma única vez.
Fazia tanto tempo que perdi a mão.
No meio da semana, achei um chaveiro. No meio da semana, achei a Érica. Combinamos que ele, o chaveiro, iria até o consultório, faria a chave e deixaria aqui na portaria da minha casa. Dois prédios separam um lugar do outro. Com a Érica, a combinação era assim, ela chegaria na manhã do sábado e eu já estaria fora – no consultório. Assim, o sr. Roberto, Érica e eu, cada um no seu cantinho, evitaríamos uma possível contaminação.
A chave funcionou. Minhas plantas estavam todas mortas, naturalmente. Mas o lugar não murchou de vida. Tive quase a mesma sensação que experimentava no antigo consultório, no antigo mundo. Entre uma sessão e outra eu deitava no divã e tirava um cochilinho de meia hora, como se não houvesse amanhã. Terminei meu livrinho, assisti a alguns episódios da série que venho acompanhando, na medida certa para não gastá-la em um único dia, morri de rir com as conversas das meninas que dividiram comigo – escancarando o tédio – o sábado de improvável acampamento. No finzinho da tarde, com a mensagem de ´pode voltar´ de Érica, voltamos.
A faxina funcionou. Minha casa estava linda, cheirosa como nunca. Mas o lugar carecia de vida. Perdemos um gato. Tive aquela sensação de culpa que só experimentam os responsáveis por uma fatalidade. Entre um cômodo e outro, todas as janelas são teladas, exceto por uma basculante no banheiro, que permanece aberta na medida certa para manter os gatinhos seguros. Esqueci de avisar sobre o detalhe. A janela estava escancarada, como se não houvesse amanhã. Murcha, morri de procurá-lo com as meninas que dividiram comigo os minutos de improvável desespero. No finzinho das nossas energias, com o miado de ´estou aqui´ vindo debaixo do armário da cozinha, achamos.
A vida é boa. Mesmo que faça tanto tempo.
(*) Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…