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Cuidem-se

O New York Times publicou, neste domingo, uma reportagem fotográfica sobre o retorno dos beijos em público como uma das consequências da reabertura da cidade. O conjunto de imagens feitas por Elizabeth Bick foi a coisa mais bonita que vi nas últimas semanas.  Não havia poesia, nem sutileza. Era só gente. Gente encostando em gente. Simples assim.

Fiquei parada no título por alguns segundos: People are making out again. Everywhere. O google traduz making out para beijar. Mas, me corrijam se eu estiver errada, o termo diz de um agarramento que ultrapassa um tantinho o beijo, não diz?  Para além da expressão verdadeira (corre aqui, Lacan), make é fazer e out fora. Fazer-se fora.

Ser fora de si. Fora de casa. Fora da casa interna. Ser no outro e com o outro.

Esse fora nos é pra lá de importante. E ultrapassa o encontro afetivo, o encontro romântico. É de encontros de todos os tipos que estamos carecendo. Os de trabalho, os de amizade, os de amor. Os por acaso, os pouco importantes, os que determinam o correr da vida.

Entendo que uma parte de vocês que me lê agora já está vivenciando a rua e suas possibilidades. Uma outra segue restrita somente ao necessário (e espero que essa seja a maioria). E há ainda a porção que vive o meio de caminho pandêmico, embora, por aqui, ainda não tenhamos chegado a esse ponto. O que não podemos negar é que nenhum de nós voltou para o todo dia, toda hora, todo mundo, aniversário, reunião, show, coragem para experimentar a sobremesa da colher do colega de trabalho em uma quarta-feira qualquer, que vivíamos antes de março de 2020.

Eu me pergunto como será. Vejo o ensaio de Bick e não consigo (quero, mas não consigo) acreditar que a liberdade recém adquirida em Nova Iorque é, de fato, para todos. Leio o everywhere no título da matéria e tenho vontade de soltar um “pera lá, aqui ainda seguimos encrencados”.

Tenho duas filhas adolescentes, que a essa altura, deveriam estar quase que 100% voltadas para o fazer-se fora. Ambas passaram o domingo, o mês, o ano, dentro de casa. Estão vendo pouquíssimos amigos, com raras oportunidades de conhecer gente nova. Um dentro que não combina com essa época, que não combina com época nenhuma. Hoje, foram anunciadas as datas de vacinação de jovens a partir dos 12 aqui em São Paulo. E eu chorei. Chorei como há muito não fazia. Torço para que elas possam ocupar esse fora o mais breve possível. Eu, você, as minhas filhas, e os seus. Com poesia e sem sutileza.  Faz-se urgente. Ainda que, claramente haja quem deseje diferente, os donos das cidades somos nós. E voltaremos com força a elas. Cuidem-se os que pensaram que nos acostumaríamos com o recolhimento. Boa semana, queridos. Um beijo pra vocês.

A Gazeta do Acre: