São várias as cenas inesperadas que podem compor um espetáculo e assim também podemos compreender a nossa própria vida. A atriz Catarina Cândida, de 22 anos, saiu do Acre para estudar, acabou se reconectando com suas raízes acreanas em Portugal e agora estreia seu monólogo, “Tonha”, para os conterrâneos do coração. Nesta quarta-feira ela se apresenta para convidados, e na quinta-feira, às 19h, para o público em geral, na Usina de Artes João Donato. A montagem é uma produção da Companhia Evoé de Teatro, de Lisboa, e os ingressos custam R$20 (inteira) e R$10 (meia entrada)
Com texto da própria Catarina e de Pablo Fernando, que também assina a encenação, “Tonha” retrata olhares sobre a vida do nordestino que saiu de sua terra para desbravar a Amazônia nos seringais. Apesar do extrato da seringa ser função do homem, a montagem foca na vivência e perspectiva da mulher, neste caso, a personagem principal, Tonha. Com tom intimista, o espetáculo foi construído a partir da técnica do teatro físico e com o intuito de contextualizar o panorama social da Amazônia e do Brasil.
“Eu queria mostrar como ela (a mulher) se sentia em sair da sua terra natal e enfrentar esse mundo misterioso que é a Amazônia e com o sonho de ter uma vida melhor”, comenta Catarina, ao explicar o processo de criação do espetáculo que surgiu no início da pandemia do Covid-19, em 2020.
Além de Tonha, Catarina interpreta mais cinco personagens, em uma abordagem realista, como uma conversa dentro de casa. O projeto é o trabalho de conclusão da formação como atriz pela Evoé-Escola de Actores, de Lisboa, e surgiu quando os alunos foram desafiados a criar trabalhos solos. Após a primeira apresentação no curso, o professor e diretor Pablo Fernando ajudou no processo de aperfeiçoamento e reestruturação da dramaturgia e da montagem como um todo.
Por conta da pandemia, a atriz, que nasceu em Brasília, passou uma temporada no Acre – terra onde passou boa parte da infância e adolescência -, participando das aulas online. Foi neste período que as primeiras ideias de “Tonha” surgiram com as inspirações da região, de leituras, pesquisas e com a minissérie “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes”, de Glória Perez.
“Quando eu estava assistindo tinha a sensação de que alguma coisa ali eu tinha que pegar e que ia ser minha porta de entrada para me apresentar como Catarina Cândida: atriz. Também é um tema que está muito ligado à minha família, pois minha avó nasceu no seringal e está muito ligado com nossa base familiar”, recorda.
Dessa forma, a atriz não poderia escolher outro lugar para estrear o espetáculo, se não o local que foi sua maior inspiração, mas também onde ela começou a fazer teatro, aos 11 anos de idade.
“O Acre é a chave, o tesouro da peça. O espetáculo é o que é porque eu estava aqui durante as primeiras ideias, pesquisas… Em toda a memória, desde a minha infância, sempre estive muito aqui. O Acre é um estado que me acolheu, é a nossa casa, onde criamos nossas raízes. E eu poder voltar ao meu estado de coração, com um trabalho que ele me proporcionou, é uma honra”, comemora Catarina.
Idas e vindas que inspiram
Histórias como a de “Tonha” são comuns no nosso estado, assim como as histórias da família de Catarina. O bisavô dela saiu de Portugal, quando tinha 14 anos, e veio para o Acre, onde conheceu a esposa, que nasceu em um seringal, bisavó de Catarina. Ironicamente, a jovem começou a fazer teatro no Acre, seguiu os estudos em Portugal e lá se formou com uma montagem sobre as raízes que possui na região amazônica. Não é à toa que ela elege o estado e a família como as maiores inspirações para o espetáculo.
“Minhas inspirações sãos meus ancestrais, pai, mãe, avó… Com as nossas brincadeiras, com a cultura acolhedora do estado, de ir na rua tomar banho de chuva, de poder nadar no lago ou no rio, de estar conectado com o mundo, que em outros lugares você não tem mais essas chance. A criação que eu tive está ligada com a criação que meu pai teve, que está ligada com a criação que minha avó teve. São histórias que, de alguma forma, estão ligadas, e também fazem parte da minha vida”, declara a artista.
Durante a pandemia, além das pesquisas, foram as conversas com a família, o tempo em casa, o contato com a natureza que lhe trouxeram inspirações, as quais ela anotava sempre. Fosse uma frase, que até corria o risco de ser descartada futuramente, ou uma ideia de cena, tudo era anotado para ser trabalhado depois.
“Foi um processo muito leve, o meu desafio era pegar o material da pesquisa e transformar em algo mais poético e sutil. Para que o público veja, sinta, ouça e se envolva também”, explica Catarina.
As idas e vindas foram tão importantes que guiam os primeiros temas trabalhados no espetáculo. Após o processo de pesquisa, a artista havia escolhido quatro temas principais que ajudaram a construir a história: o sentimento de partida (do Nordeste para a Amazônia); o de choque ao chegar na nova região, a rotina e adaptação à nova vida e, por fim, a morte (tanto psicológica quanto física).
Todas inspiração que resultou no espetáculo “Tonha” serviram também de motivação para Catarina sonhar ainda mais com sua carreira, que está só começando. “Eu amo o teatro, todo o ambiente e tudo em volta do teatro. Agora pretendo trabalhar com publicidade, de forma artística, mas meus sonhos são muito grandes, onde eu conseguir trabalho eu vou”, declara Catarina.
Sobre a artista
Catarina Cândida nasceu em Brasília, mas iniciou sua formação aos 11 anos, em Rio Branco, no Acre, na Oficina de Teatro Expressão, em parceria com Cia Garatuja de Artes Cênicas, com as professoras Jocilene Barroso e Núbia Alves. Aos 18 anos, retornou para Brasília, onde expandiu sua formação na escola Cia da Ilusão, ao mesmo tempo que cursava Psicologia, no Instituto UniCEUB.
Aos 19 anos, iniciou o estudos na “Evoé-Escola de Actores”, em Lisboa, Portugal. Para além da sua formação profissional, participou, também, em vários intercâmbios, com a ajuda da RIEA, realizados na Escola Acción- escena, em Madrid. Atualmente, conclui sua formação com um espetáculo solo autoral, “Tonha”, encenado por Pablo Fernando e produzido por Companhia Evoé e Giulia Dal Piaz.