Quando falamos sobre família no Brasil, uma das realidades mais comuns é a de mães solo, pois não é novidade conhecer pais que abandonam as mulheres quando engravidam ou que não fazem tanta questão de ficar com os filhos, em caso de divórcio. Mas, fugindo do “esperado”, felizmente, o representante comercial Ruann Nasserala, de 33 anos, não figura esse exemplo. Quando se separou de sua ex-esposa, em 2019, uma coisa já estava certa: o filho, Levi Nasserala, de três anos, iria ficar com ele.
A separação aconteceu quando Levi tinha um ano e nove meses, e eles moram juntos desde então. O sonho de Ruann em ser pai surgiu ainda na adolescência. Mais velho de três irmãos, perdeu a mãe com 18 anos de idade e, com a ajuda da família, foi assumindo a responsabilidade de cuidar dos outros, visto que o pai era separado e ausente. “Quando meu pai deixou a casa, aí que tive mesmo a vontade de ser pai, para fazer tudo diferente, ser o pai presente, nunca deixar meu filho de lado”, relata.
E assim ele busca fazer com o pequeno Levi, desde o início. Logo após o divórcio, ele conta que as reações de pessoas próximas eram de surpresa. “Me perguntaram muito ‘você ficou com ele?!’, mas eu me perguntava: ‘por quê não eu? por quê só a mãe?’. Nunca pensei em uma segunda opção, é até difícil eu pedir para mãe dele ficar com ele”, comenta Ruann, que chegou a levar o filho para o trabalho, no início da pandemia.
E para quem se questiona como é a vida de um pai solo, Ruann explica de forma bem simples: “Sabe uma mãe solo? É um pai solo. Não tem diferença, eu sou pai, ao invés de ser ela, sou eu. Eu tenho que me dedicar muito a ele, só vou aos lugares se ele puder ir, o tempo é com ele, ele que manda. E é bom demais, é muito gratificante, você não perde a liberdade, você está em outra vida já. Minha liberdade é estar com ele”, declara.
Toda essa liberdade compartilhada se transformou no que Ruann chama de “parceria” com o Levi. Andar de bicicleta, jogar futebol, sair para comer, além das atividades cotidianas em casa, tudo é feito em dupla. Levi é presença certa na arquibancada do futebol semanal do pai e quando ele não vai, por estar com a mãe, Ruann sempre ouve “Cadê o Levi?”.
As provas desse amor são retribuídas nos momentos mais simples e inesperados. Como, na semana passada, quando Ruann estava em uma sessão de fisioterapia, e o filho o acompanhando. “Estávamos num momento normal, eu na maca, ele do lado, brincando. Aí, ele beijou meu braço e falou: ‘Pai, tô aqui, tá?’. É um negócio que não se espera, que vem de dentro, não sei explicar”, ele conta, sorrindo.
De poucas palavras, mas muito sentimento, o pai de primeira viagem tenta resumir o que sente: “Ser pai é ver o mundo através do amor verdadeiro”.
Pai sem limites
Tratando-se de amor verdadeiro, dizem que não há barreiras para impedir tal sentimento, seja essa barreira um divórcio, uma pandemia ou uma fantasia de dinossauro. É o que Paulo Roberto Pires, cirurgião dentista, de 37 anos, tenta provar para sua filha Marina Souza, de seis anos. Paulo chegou a ser matéria no ‘Fantástico’ por se vestir de dinossauro para encontrar Marina, durante a pandemia do coronavírus, em junho de 2020. Hoje, a criança mora com a mãe, mas os pais possuem guarda compartilhada, desde 2019.
O dentista trabalha em uma unidade pública de saúde, estava há quarenta dias sem ver a filha e se inspirou em casos semelhantes para alugar a fantasia. “Mesmo com aquela barreira de plástico, senti o coração dela, o abraço dela… Aquele momento recarregou minhas energias, foi muito difícil pra mim, porque eu nunca tinha ficado tanto tempo longe da minha filha! Eu me espelhei em outras pessoas, outras pessoas se espelharam em mim, e acho que a bondade, os exemplos bons, devem ser seguidos, repetidos e espalhados sempre”, recorda o paizão, emocionado.
E é pensando nessas inspirações que Paulo mantém um perfil no Instagram, dedicado à relação dele com a filha, e quebrando mais uma possível barreira, a digital. O “Diário pai e filha”, criado meses após a separação, tinha o intuito inicial apenas de registrar os momentos, pois as fotos também acabam se separando entre as casas, após os divórcios. Mas, com o tempo, ele percebeu que tinha um retorno positivo entre o pequeno público de seguidores fechados e que poderia inspirar outras relações. Foi quando ele abriu o perfil para mais seguidores.
“Comecei a perceber que as pessoas se espelhavam nessa forma que eu trato minha filha. A partir disso, eu vi que estava ajudando algumas pessoas. Não só pais a melhorarem sua relação com seus filhos, mas até mães. E hoje em dia, eu aprendo também com muitas pessoas (…) acaba sendo uma troca de aprendizados”, explica Paulo, que garante a boa relação com Marina, desde seu nascimento.
De viagens e passeios especiais aos fins de semana, até brincadeiras com bonecas e desenhos do dia a dia, as publicações do perfil compartilham a relação que todo filho espera dos pais: presente. Acima dos objetivos de registrar ou inspirar, Paulo defende a maior causa que ele encontra para demonstrar o amor pela filha.
“Tudo o que eu quero é que ela sinta, que ela perceba a força do meu amor por ela. Se ela sentir, se ela perceber esse amor, que ela guarde esses momentos no coraçãozinho dela e perceba que eu sempre fui um pai presente na vida dela. Meu sonho é estar 24 horas com a minha filha, a gente tem uma relação muito forte. É um sentimento que só o meu coração, quando está com ela, sabe”, compartilha.
Dois pais, amor em dobro
Se Levi e Marina recebem tanto amor com pais que fazem de tudo para demonstrar esse sentimento, o pequeno Heitor, de dois anos, parece transbordar saúde, alegria e, claro, amor, desde que foi adotado pelos dois pais, os psicólogos Adailton Oliveira, 32 anos, e Pádua Gadelha, de 30. O casal de acreanos, que vive, atualmente, em João Pessoa, enfrenta os desafios de todos os pais de primeira viagem, mas garantem que a chegada do filho transformou a vida deles da melhor forma possível.
Adailton e Pádua conversaram sobre a paternidade, desde o início do relacionamento, mas, por se tratar de uma relação homoafetiva, há algumas dificuldades específicas. Felizmente, após uma tentativa que não deu certo, eles conseguiram encontrar Heitor que, segundo o casal, foi feito para eles.
“Ele é muito tranquilo, não tem dificuldade para dormir, é muito amoroso. As pessoas falavam que um casal gay poderia ter dificuldade para criar uma criança, por conta da falta de jeito para cuidar, mas a gente não sentiu nenhuma dificuldade nesse aspecto. É claro que tem a angústia, o medo do futuro, sobre como ele vai se formar, se constituir, mas vejo como algo inerente a qualquer pai”, comenta Pádua.
Viver em um país machista e homofóbico (vide a morte de uma pessoa LGBTQIA+ a cada 23 horas no Brasil) acaba gerando inseguranças em diversos âmbitos pessoais. No caso de Adailton, havia uma preocupação em demonstrar que não tem como influenciar a orientação sexual de alguém. E, por formarem um casal gay, preferiu escolher cores convencionalmente “masculinas” para o enxoval de Heitor.
“Fui muito enfático para dizer que a gente seguiria, sim, as normas sociais, por conta do julgamento mesmo, no quanto a gente seria julgado, caso a gente colocasse uma roupa rosa ou um tom mais ‘delicado’. Mas, a partir do momento que ele dissesse ‘eu quero isso’ ou ‘esse’, a gente iria apoiar”, explica o pai.
E o casal não teve problema em comprar um fogão (lilás e rosa) de brinquedo que o pequeno escolheu. Não apenas o fogão e panelinhas, mas também uma vassoura e um rodo para o tamanho dele. “Somos dois homens que damos conta de uma casa, incluindo varrer, passar pano, fazer comida, etc. É o reflexo que ele tem hoje, e isso, para a gente, não define sexualidade, ele gosta de ajudar em casa. Ao mesmo tempo, ele adora bola e futebol, coisa que nós não gostamos e, inclusive, é o tema de decoração do quarto dele”, relata o casal.
Apesar dessas questões, a relação de Heitor com os pais é igual a da maioria dos pais de quaisquer outros pais que amam seus filhos. Ele é o reizinho da casa. Tanto que a mudança de cidade foi decidida pensando, principalmente, na qualidade de vida do filho. Os pais destacam as preocupações de qualquer casal, como a o desespero quando Heitor ficou doente pela primeira vez ou sobre como vão fazer as opções mais adequadas para o crescimento do filho.
Ambos dizem, com tranquilidade, o quanto a paternidade é muito melhor do que eles esperavam. “Nem nos melhores sonhos, a gente conseguiria imaginar algo tão bom. O Heitor foi uma dádiva e muito melhor do que a gente poderia sonhar, nem nos nossos sonhos a gente poderia pensar em algo tão otimista”, declara Adailton.
“Ouvi uma frase que dizia que ser mãe era como ‘padecer no paraíso’ e não entendia. Hoje, eu entendo um pouco mais, não posso dizer que o Heitor me faz padecer, mas entendo muito bem o que é o paraíso. Não é romantizando a paternidade, mas o Heitor consegue transformar nosso dia com um abraço e sorriso que ele dá”, comenta Pádua.