Representantes das etnias de todo o país, inclusive do Acre, estão em Brasília, desde o início da semana, para protestarem contra o chamado “marco temporal”, que prevê mudanças no processo de reconhecimento e demarcação das terras indígenas no território brasileiro. O movimento é contra também o enfraquecimento das políticas públicas para os indígenas e o medo de reversão, restrição ou perda das conquistas asseguradas pela Constituição Federal de 1988.
Os protestos acontecem na Esplanada dos Ministérios, onde, pelo menos, seis mil manifestantes montaram o acampamento “Luta pela vida”, e aguardam o desenrolar do julgamento de um recurso pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo as lideranças, definirá o futuro das demarcações de terras indígenas no país. A Corte analisa se é constitucional ou não a tese do “marco temporal”.
A acreana Alana Manchineri, comunicadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), participa dos atos, em Brasília, e informou que a mobilização continua, até a próxima semana, na expectativa de que o processo, cuja votação estava marcada para esta semana, finalmente seja votado.
“O julgamento foi adiado, mais uma vez. Agora, para o dia 1, as delegações decidiram permanecer em Brasília para fazer pressão, mobilizados para acompanhar a decisão do Supremo e protestar contra a agenda anti-indígena, no Congresso Nacional e no governo federal.”, disse.
Ela informou também que, do Acre, participam representantes e lideranças dos povos Shanenawa, Huni Kui, Manchineri, Jamknawa, Kulinas, Yawanawás e Kulina.
Ao todo, estima-se haver que em território acreano, de acordo com a Comissão Pró-índio do Acre (CPI-AC), além dos povos isolados (desconhecidos), pelo menos 15 etnias reconhecidas: Huni Kuĩ (Kaxinawa), Ashaninka, Yawanawa, Puyanawa, Katukina, Nukini, Nawa, Manchineri, Jaminawa Arara, Jaminawa, Kuntanawa, Shanenawa, Shawãdawa, Kulina, Apolima AraraO recurso na pauta de julgamento do STF é de autoria da Fundação Nacional do Índio (Funai) e questiona uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que acatou o “marco temporal” que, se julgado procedente, pode ser aplicado em outros processos para definir os critérios para a demarcação de novas terras indígenas.
Pela tese do “marco temporal”, as comunidades indígenas só podem reivindicar as terras que já ocupavam antes da Constituição Federal de 1988, ficando estabelecido que somente podem ser reconhecidas como teras indígenas as que, comprovadamente, já estavam ocupadas pelas populações tradicionais até outubro de 1988, data da promulgação da Carta Magna.
Se implementado, o marco temporal, também proíbe a ampliação de terras que já foram demarcadas, independentemente dos critérios e da reivindicação dos povos indígenas.
Atualmente, para obter a demarcação, não é necessária a comprovação da posse da terra em data específica. Pela legislação, uma equipe multidisplinar da Fundação Nacional do Índio (Funai) realiza a identificação e delimitação do território ocupado pelos indígenas, após abertura de processo administrativo.
A decisão tomada pelo STF servirá de diretriz para a administração federal e todas as instâncias da Justiça, como referência a todos os processos, procedimentos administrativos e projetos legislativos no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios das terras indígenas.
A pauta também tramita no Congresso Nacional na forma de um Projeto de Lei, também alvo de protestos no mês de junho. O PL 490, de 2007, que cria o “marco temporal” na lei, já foi aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, mas sem data prevista para ir à análise do plenário da Casa. Depois, se passar, segue para tramitação no Senado.
As lideranças indígenas temem, com o marco temporal, um progressivo etnocídio de seus povos com a possibilidade de perda da posse de suas terras, provocada pela dispersão das populações acostumadas a viverem em comunidade e, do contrário, estarem fadadas à aculturação e à miséria.