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Dioganear o que há de bom

“Ao sair do avião, Zumbi pisou num imã. Dormiu às 3h da manhã”. Conheci Digó nos meus primeiros anos de São Paulo. E esses foram os versos que ela adaptou para a letra de Açaí de Djavan. Imaginei inúmeras vezes essa cena. Pelo menos a cada vez que ouvi a original. E parte de mim sente por não saber o que se deu entre a pisada e o sono tardio de Zumbi.

Adoro essa história porque ela diz dos múltiplos caminhos de um dito. É possível que Digó não escutasse bem, ou mesmo que não estivesse de fato interessada no que era cantato? Super possível. É possível que Djavan tenha dado mais atenção à poética do que à clareza? Ô se é. Mas há também a possibilidade de que ela tenha escolhido – e esse escolhido mora tanto no terreno do consciente quanto no do inconsciente – ouvir o que cantou.

Semana passada, escutava uma analisanda que anda às voltas com uma dificuldade de comunicação com o filho já adulto. “Rô, por mais que eu explique, ele não entende”. Lembrei imediatamente de Digó. Não entende ou não concorda? Não entende ou não enxerga a narrativa a partir do mesmo ângulo?

Outro exemplo. Um segundo analisando conheceu uma mulher. Doze anos mais velha, inteligente, bonita, engraçada, carinhosa. Não demorou muito a apaixonar-se. Ainda na primeira vez que se viram, ela mencionou o ex quatro vezes. Na mesma medida em que crescia a frequência de encontros, crescia também a quantidade de histórias que ele ouvia sobre Toninho, chamado assim na doçura do diminutivo. O relacionamento acabara há dez anos – dez anos- e desde então ela não tinha se comprometido com mais ninguém. Os meses passavam, ela espaçando o contato, os sinais todos ali, e ele se deixando envolver. Adivinha. Ela: açaí, guardiã. Ele: ao sair do avião.

Uma terceira encontrou um trabalho agora no início do ano. A vaga não era a que ela estava procurando, embora a empresa também opere na área que a interessa. Ainda no processo seletivo, o futuro gestor aponta a mudança. Viu no seu currículo uma direção X e lhe propunha uma outra Y. Mas o salário era uma delícia, os benefícios também. “Uma vez lá dentro, dou um jeito de mudar”. Topou. Adivinha. Ele: zum de besouro, um imã. Ela: Zumbi pisou num imã.

Dá pra cantar junto letras diferentes sem desafinar? Dá, desde que sem fantasia. Lembram dessa com Chico e Bethânia?  Dá pra pôr o outro pra cantar a sua letra? Djavan até poderia topar cantar a de Digó, mas Digó não topou a dele. Dá pra misturar as duas. Não sei. O que vocês acham de dormir na branca tez, das 3h da manhã? Boa semana queridos.

 

Roberta D´Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu e escreve semanalmente para A Gazeta do Acre e outros 17 veículos no Brasil, Estados Unidos e Canadá.

 

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