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Após aval do ICMbio, Ibama fará estudo para expansão da BR-364 cortando ao meio a Serra do Divisor

Vista de drone do Rio Moa no Parque Nacional da Serra do Divisor, e conjunto montanhoso na divisa com o Peru (Foto: Andre Dib)

Em vermelho, o traçado previsto para expansão da BR-364, que irá até a fronteira com o Peru e cruzará o Parque Nacional da Serra do Divisor. Fonte: Atlas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)

O Parque Nacional da Serra do Divisor, que abrange os municípios de Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul, poderá ser cortado pela BR-364, caso a proposta de ampliação da rodovia seja levada adiante. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) deu o aval para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) faça o estudo para licenciamento ambiental visando a ligação direta da região com o Peru.

Embora o decreto de criação do Parque (n° 97.839/1989) autorize explicitamente “a implantação do trecho da BR-364 cortando o Parque, desde que observadas medidas de proteção ambiental e compatibilização do traçado com as características naturais da área”, especialistas acreditam que a proposta dificilmente irá se materializar.

Em artigo publicado no site A Gazeta do Acre, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (Ufac), professor Evandro Ferreira, ressalta que “embora a iniciativa do diretor do ICMBio no tocante à construção da estrada dentro do PNSD [Parque Nacional Serra do Divisor] cause preocupações, na prática, o ambiente político-jurídico atual inviabiliza que ‘essa boiada’ passe despercebida.”, e reitera:

“Se judicializada, é quase certo que as providências preliminares indispensáveis para viabilizar a construção da estrada dentro do PNSD serão paralisadas. Especialmente agora que o Executivo Federal declarou “guerra” ao Judiciário brasileiro em todas as frentes. Assim, ele que não espere boa vontade e celeridade por parte dos juízes que vierem a ser designados para decidir a causa.”

O processo de licenciamento ambiental visa a abertura de 152 quilômetros da BR-364, sendo que destes, 22 quilômetros cortariam ao meio os 837,5 mil hectares da Serra do Divisor para conectar o município de Mâncio Lima/AC até o lado peruano, com o objetivo de estender a estrada até a cidade peruana de Pucallpa, para se tornar uma nova rota de escoamento da produção brasileira para o Oceano Pacífico. É o que defende o Governo Federal, embora já haja a Estrada do Pacífico que conecta Rio Branco ao Peru.

De acordo com o biólogo e mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia, Ricardo Plácido, a proposta vai na contramão do mundo. “É coisa do século passado. O mundo todo avança para o futuro, dentro do tripé da sustentabilidade, que é socialmente justo, ecologicamente correto e economicamente viável. Eles não demonstram nenhum projeto para aquela região. Acham que simplesmente abrir para exploração econômica e pronto”, lamenta Plácido.

Para Ricardo Plácido, a “vocação” do Parque Nacional Serra do Divisor é, de fato, a proteção da biodiversidade. “Mesmo que o decreto preveja a criação da estrada, a lei legal do Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza], é superior a um decreto, porque na época ainda não havia a regulamentaçção geral, então eles delegaram a decisão pra um parcer intrno, mas a decisão do icb não está sendo debatida por analistas, somente pelo diretor. Onde etão os estudos de impacto? Percebemos que há uma espécie de conluio para decidir as coisas sem orientação tecnica pertimente, então isso pecisa ser debatido”, reforça Plácido.

Áreas indígenas

Vista de drone do Rio Moa – Parque Nacional da Serra do Divisor(Foto: Andre Dib)

Além do Parque Nacional da Serra do Divisor, a extensão da BR-364 terá no caminho três terras indígenas: a dos Nukini (onde vivem os povos Nukini), a Jaminawa do Igarapé Preto (onde vivem os Yaminawá) e a Poyanawa (habitada pelos Puyanawa). Sobretudo, uma das lidernaças indígenas do povo Puyanawa, Luis Pue, ressalta que não apenas os povos índigenas serão afetados, mas todo o Estado e mundo.

“Uma das nossas procupações como indígenas e como pessoas, que estamos defendendo a vida do ser humano, não é somente pra gente dizer que vem uma economia, vem dinheiro, vai ficar melhor o país, mas a gente não vai viver sem uma vida e sem o ar, floresta e sem água. Não vamos conseguir viver sem esse patrimônio que Deus deixou. [Além disso] o desequilibrio e desastre ambiental tanto da fauna quanto da flora e, possivelemente, o desaparecimento de águas que são os mananciais que abastecem a nossa região, tanto do alto juruá quanto do rio Moa, com grandes contaminações.”, destacou Pue.
Apesar de o Acre ser diretamente afetado por uma possível abertura de novo trecho da BR-364, o Governo do Acre não se posicionou, até a publicação desta matéria.

Redução da Serra do Divisor

Tramitando na Câmara Federal desde o ano de 2019, o Projeto de Lei (PL) nº 6024 de autoria da deputada federal Mara Rocha (PSDB) e do senador Márcio Bittar (MDB) vem sendo motivo de repúdio por ambientalistas e ativistas, desde quando foi protocolado. Com a aprovação do projeto, o Parque Nacional da Serra do Divisor, criado há mais de 30 anos, passaria a ser classificado e denominado como Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Divisor. A medida tira a proteção integração da região.

De acordo com a ementa, o projeto propõe uma lei que altera os limites da Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada nos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco e Sena Madureira, no Estado do Acre e modifica a categoria do Parque Nacional da Serra do Divisor.

Em sua justificativa, a deputada Mara Rocha afirma que a região da Serra do Divisor é a única do estado “que possui rochas que podem ser extraídas e utilizadas na construção civil, de maneira a fomentar o desenvolvimento econômico do estado e baratear as obras públicas que o povo do estado tanto necessita” e reclama que o status de unidade de conservação de proteção “impede qualquer tipo de exploração econômica das riquezas ali presentes” o que, segundo ela, “vai de encontro aos interesses e necessidades do povo acreano”.

“Esse projeto parece ser bem obscuro, porque na prática estão querendo diminuir a reserva para atender interesses de pecuaristas que invadiram a Resex e abrir o Parque para explorar, sem considerar a vocação da área. É um projeto que demonstra que esses parlamentares não tem o mínimo conhecimento sobre a região. Propõem um projeto que não se sustenta como modelo para a nação, sem qualquer base de discussão de viabilidade.”, destaca Ricardo Plácido, biólogo.

Atualmente, a matéria está parada na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), aguardando parecer do relator.

Com informações do portal O Eco

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