Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

“Eu olho para trás e me orgulho de cada momento”, diz Bodão que saiu de Xapuri e ganhou o mundo com as artes marciais

Reconhecido mundialmente como lutador de Artes Marciais Mistas (MMA), o acreano de Xapuri, Francimar Barroso, mais conhecido como Bodão, tem hoje 41 anos de idade, e foi aproximadamente aos 9 anos que teve sua primeira oportunidade no jiu-jitsu. Para a surpresa de muitas pessoas – exceto dele próprio que sempre acreditou no seu potencial, como ele mesmo diz – conquistou mais frutos do que ele poderia imaginar com o esporte. Hoje vivendo em Moscou, na Rússia, ele é o convidado da semana da série Gente do Acre e fala de sua trajetória de, literalmente, muita luta.

“Eu tinha entre nove e 10 anos quando comecei as primeiras atividades em Xapuri. Meu primeiro professor foi o mestre Clemilton. Ele dava aula de jiu-jitsu do lado de uma quadra onde eu jogava futebol com os meus colegas e, um dia, ele me convidou pra fazer um teste na academia para treinar em um projeto social. Eu disse que ia falar primeiro com a minha mãe – porque meu pai morreu eu era muito garoto, e quem me criou foi a minha mãe. Ela falou que não, mas no outro dia mesmo assim eu treinei. Ela tinha falado que ia pensar, mas negou, porque achava que eu ia ficar muito violento, mas pelo contrário, mudou toda a minha vida, mudou toda a minha história”, relembra Bodão.

Quando conquistou sua primeira vitória no UFC , Bodão retornou à Xapuri para agradecer pessoalmente o mestre Clemilton, que lhe deu a primeira oportunidade no jiu-jitsu (Foto: Reprodução/Facebook)

Figura conhecida no Acre e no Brasil, Bodão já levou o nome da sua cidade natal, Xapuri, e do Estado do Acre a inúmeros lugares em todo o mundo. Passou por várias organizações de lutas, a mais conhecida delas, o Ultimate Fight Champions (UFC) onde ficou de agosto de 2013 a março de 2018. Foram anos de trabalho até obter o reconhecimento no esporte.

“Fiz o teste no projeto social [ainda criança em Xapuri] e nunca mais parei. Comecei a participar dos campeonatos internos, depois no Estado, depois fora do estado, depois veio a oportunidade de lutar o vale tudo na época. De 2002 para 2003, eu dava aulas em uma academia bem pequena em Brasileia, mas fui morar em Rio Branco, onde recebi um convite para montar uma academia em Brasileia. Depois recebi o convite para fazer a minha segunda luta de vale tudo, no Ginásio do Sesi, e fiz a minha segunda luta de vale-tudo, fui campeão. Um aluno que era sargento do exército e se tornou meu amigo estava indo para o Nordeste e fez o convite para que eu fosse com ele. E ele praticamente me levou, porque na época eu não tinha condições de viajar, a passagem era muito cara. É o sargento Arnaldo, que foi o responsável pela primeira vez que eu sai do Estado do Acre”, relembra Bodão.

Em Fortaleza/CE, Bodão fez sua primeira luta e começou a ganhar algum dinheiro na época. Foi aí que ele percebeu, com apoio das pessoas próximas, que o esporte que ele tanto amava, poderia se tornar uma profissão.

“As pessoas começaram a comentar, era a minha terceira luta com vitória no vale tudo, e foi quando todo mundo começou a falar que eu tinha jeito, que poderia investir que dava certo. Comecei a me empolgar teve um campeonato norte-nordeste, e fui campeão mais uma vez com um lindo nocaute, e daí pra cá, comecei a ver que dava pra eu lutar. Na época não era muito divulgado, mas eu vi que tinha alguma coisa ali que era a minha vida, já amava muito, só que eu não imaginava que dava pra ganhar dinheiro com luta. Dessa luta pra cá, comecei a ver que era aquilo que eu queria, e que dava pra investir”, conta ele.

Passagem pelo UFC

Bodão durante pesagem no UFC

A passagem de Bodão pelo UFC foi um dos momentos mais marcantes de sua carreira. Foram quase seis anos de trabalho na organização, período em que ele lutou com os melhores do mundo. Quando assinou com a organização, ficou pelo menos uma semana “sem acreditar” que aquele sonho era mesmo real.

“Na época eu estava invicto quando eu assinei com o UFC e foi um grande sonho que eu achava muito longe, mas eu nunca desisti. Sempre disse que iria lutar no maior evento do mundo, e era muito difícil na época assinar. Fui o primeiro acreano a levar o MMA para fora do Estado e para fora do Brasil. Antes de assinar com o UFC eu já tinha lutado fora do Brasil, no Oriente Médio, e já tinha rodado o Brasil todo, e eu fui o primeiro acreano a assinar com o UFC e só pensava em representar bem o meu Estado. Ser o grande responsável pela luta no Acre, me senti numa responsabilidade muito grande, como sinto até hoje”, relata o lutador acrescentando que “foi uma coisa inédita”, e até hoje é feliz por ter lutado pela organização.

Dentro do UFC ele lutou com os melhores atletas de todo o mundo, mas apenas duas lutas ele considera como as que mais marcaram sua vida: a luta de estreia contra Ednaldo Lula, em agosto de 2013, e contra o canadense Ryan Jimmo (in memorian), em maio de 2015.

“Foram várias lutas, dentro do UFC eu só peguei pedreiras, mas a luta que mais me marcou foi o Ryan Jimmo e aí foi uma luta muito dura. Ele tinha, na época, o nocaute mais rápido do UFC e um chute muito forte. Pra mim, foi a luta mais dura do UFC. Eu ganhei essa luta, foram três rounds. Minha estreia também que foi o UFC Rio com o Ednaldo Lula, foi uma luta duríssima, eu também ganhei os três rounds, peguei a luta faltando três semana (….) assinei o contrato faltando três semanas para a luta e só deu tempo de bater o peso”, conta.

Novas oportunidades

Mas com a popularização das artes marciais mistas que tem atraído torcedores em todo o mundo, novas organizações também têm surgido. Desde que saiu do UFC, Bodão conta que recebeu inúmeros convites e já passou por outras organizações reconhecidas à nível mundial.

“Eu falo pra todo mundo que cada dia que passa, o MMA cresce e aparecem mais organizações sérias, do mundo todo que a gente não vê, porque quem mora no Brasil, às vezes só acompanha pela internet (…) Quando eu sai do UFC, eu sabia que eu teria uma carreira muito forte ainda pela frente. Saí pelo fato de não estar conseguindo mais bater o peso, não estava mais tendo rendimento na minha categoria. E na época, não pedi para trocar de categoria. Acabou que sai do UFC e vim mudar de categoria após o UFC que era a categoria peso-pesado. Acho que sai do UFC no momento certo, e após isso, recebi vários convites”, ressalta Bodão.

Um dos convites que recebeu foi para integrar o time do Professional Fighters League (PFL), organização dos Estados Unidos.

“Fiquei [no PFL] dois anos, duas vezes fui para a final e uma vez na semifinal. Na minha última final, eu ganhei, mas abriu meu supercílio e aí como a comissão de nevada não deixa passar, a comissão médica foi no vestiário, e decidiram que eu não iria para a final. Foi muito bom pra mim. Foi um grande aprendizado, uma grande escola”, diz.

“Tudo pra mim foi muito importante, porque foi muito difícil”

Após sua passagem pelo PFL, Bodão conta que atualmente integra o time de atletas da Absolute Championship Akhma, organização russa de artes marciais mistas e comemora cada etapa de sua vida, que começou como uma brincadeira de criança em Xapuri/AC.

“Quando eu olho para trás, quando sai de Xapuri para Rio Branco muito garoto e de Rio Branco pro mundo, cada conquista tem uma história de muita ralação de muito sofrimento. Mas eu sempre falo que faria tudo de novo, claro com mais inteligência, não que eu tenha errado muito, porque eu fiz com o que tinha. Na minha época foi bem difícil. Olho para trás vejo muitos frutos com atleta, professor, hoje eu tenho alunos, academia, consegui formar cinco atletas de MMA do Acre, a maioria deles já exercendo a profissão, todos saíram da minha academia formados, é uma das coisas que eu olho para trás e sinto muito orgulho”, comemora.

Nova vida na Rússia

Francimar Bodão e a esposa Anastasia Motyashova, em Moscou (Foto: Acervo pessoal)

Para o lutador, apesar de já ter muitas conquistas como atleta, este é só o começo. Morando em Moscou, na Rússia, há cerca de dois anos, ele conta que tem duas academias e pretende expandir para outros países da Europa. “Eu tenho muito respeito com o meu trabalho, com o meu esporte, levo muito a sério, acho que é por isso que os frutos vêm. Você tem que fazer as coisas com muito respeito, carinho e responsabilidade que você vai colher bons frutos”, diz.

“Eu olho para trás e me orgulho de cada momento. De cada detalhe, de tudo o que passei. Tudo pra mim foi muito importante, porque foi muito difícil. Saí do Acre sem apoio, de carona, sem dinheiro e quando voltei já foi praticamente com contrato assinado com o maior evento do mundo (UFC), veio o reconhecimento, mas foi muito difícil. Mas eu sempre acreditei no meu trabalho, sempre acreditei em mim, e sou um cara muito temente a Deus”, finaliza.

Sair da versão mobile