No mês de agosto, que marcou mais uma edição da Semana Justiça pela Paz em Casa, realizada pelo Tribunal de Justiça do Acre, também aconteceram diversas atividades em alusão ao Agosto Lilás, e foram muitos os discursos de autoridades, representantes da sociedade civil, sobre a violência contra a mulher e, consequentemente, sobre os números de feminicídios, afinal, o Acre está no topo dessa triste realidade. Até o último dia 16, o estado já havia contabilizado 5 feminicídios, e se tem a esperança de esse número não ser igual ou ultrapassar os de anos anteriores. Em 2018, foram registrados 14 feminicídios, em 2019, chegamos a 11, em 2020 o número foi de 12 casos.
No último dia 17, uma mulher foi esfaqueada pelo marido e não resistiu aos violentos golpes, falecendo no Pronto Socorro. O motivo, segundo divulgado pela imprensa, que teve como fonte a polícia, teria sido ciúme. O doentio e violento sentimento que fez essa mulher perder a vida, interromper seus sonhos e toda sua jornada. Que realidade mais cruel!
É assustador ver esse caso se multiplicar, pois certamente essa é a causa que leva muitos homens a tirarem a vida de mulheres por não suportarem sua existência livre, diante de um sistema patriarcal, machista. E uma pesquisa inédita realizada por integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) mostra sobre esse cenário, a partir do levantamento de dados muito interessantes que retrata os principais fatores de risco para a ocorrência de feminicídios, a partir da análise de 34 casos ocorridos no Distrito Federal, entre 2016 e 2017, e que certamente refletem a realidade de outros estados brasileiros.
Os pesquisadores estudaram prontuários médicos e processos judiciais anteriores envolvendo agressores e vítimas, e ouviram familiares das mulheres mortas. Em todos os casos estudados, houve episódios de violência prévia, física ou psicológica. Em pelo menos 80% das situações, seis ou mais fatores de risco estavam presentes.
Apesar de não ter sido possível identificar um perfil do autor de feminicídio no âmbito da violência doméstica, a pesquisa revela características e circunstâncias que anunciam o perigo. A partir de fatores de risco nestes casos, ficou demonstrado que o mais presente é o ciúme excessivo reportado em 88,2% dos casos.
Histórico de ameaça ou tentativa de matar (73,5%) e histórico criminal do agressor (64,7%) aparecem a seguir. Agressões físicas leves, separação efetiva ou iminente e ameaça de matar ocorreram em pelo menos 60% dos casos. Em 20,6% das situações, existia algum conflito sobre partilha de bens ou questões patrimoniais. Mulheres negras representam 77% das vítimas no estudo, o que indica a maior vulnerabilidade desse grupo.
Em 47% dos casos, a diferença de idade entre agressor e vítima era de dez anos ou mais. Nas situações em que o agressor era ao menos dez anos mais velho, a renda era em média de cinco salários mínimos a mais que a da vítima. Nos casos em que a diferença de idade era menor, a disparidade de renda caía para 1,5 salário mínimo, em média.
São tão assustadores todos esses dados, que deixa, nós mulheres, com enorme sentimento de angústia e medo. O que fazer? Por onde começar? O que é possível fazer de diferente que ainda não tenhamos tentado? Qual a saída para tudo isso? Até quando vamos ser ameaçadas, violentadas e até assassinadas por sermos quem somos?
Em 2018, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no Brasil. Considerando a década de 2008 a 2018, embora a taxa de homicídios entre mulheres não negras tenha caído 11,7%, a taxa entre mulheres negras sofreu aumento de 12,4%.
Recentemente celebramos 15 anos da Lei Maria da Penha, que certamente foi um avanço, mas sabemos que ela não alcançou sua totalidade. Marcando essa data, o Conselho Nacional de Justiça trouxe contribuições importantes para a ampliação numérica e qualitativa das medidas protetivas de urgências buscadas pelas mulheres em situação de violência. Mas é o suficiente? Infelizmente sabemos que o caminho ainda é longo!
A resistência da mulher em procurar ajuda pôde ser observada na comparação das pesquisas bienais realizadas de 2013 a 2019 pelo Instituto DataSenado. À pergunta “qual foi sua atitude em relação à última agressão?”, houve aumento das respostas “não fez nada”: 15% em 2013; 21% em 2015; 27% em 2017; e 31% em 2019.
Mas essa resistência não se baseia no querer e sim no medo, na vergonha e até na culpa, diante de um sistema que não nos acolhe em sua totalidade, na qual o julgamento é maior que o apoio e amparo. É necessário mais, ou essa triste realidade tende a permanecer. É necessário acreditarmos e agirmos para mudanças efetivas. Portanto, toda iniciativa que visa combater essa triste realidade merece atenção e apoio.
*Por Andréa Zílio – Comunicadora