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A arte e ‘a vida como ela é’

A coluna Devaneios sempre tem a tônica de, criticamente, abordar assuntos correlacionados com a existência e seus descaminhos, propósitos e despropósitos, autoconhecimento, singularidade, poesia, arte, o contraditório da contradição.

Então, eu, “maratonando” as plataformas de filmes e consumindo arte, comecei uma reflexão que me roubou para várias análises, e confesso que, positivamente, comecei a pensar a quão inclusiva estavam se tornando as nossas obras literárias e enredos de filmes, bem como vídeos e tudo que nos rodeia e nos faz pensar além, para além do “normal” e socialmente aceito.

E já que a arte é a expressão subjetiva, constatei a popularidade que tem se dado a questões relacionadas à psique humana e aos seus transtornos, abordando temáticas reais de conflitos humanos, humanizando os personagens, e problematizando questões sociais profundas e enraizadas nos nossos mais variados contextos sociais.

Ora, ora, queridos (as) leitores (as), pra quem cresceu num vasto repertório entre a velha dicotomia entre bem e o mal, no qual, geralmente, o protagonista bom, bonito e santificado passava por vários infortúnios, justificando ele se dar bem no final; contra o antagonista mau, feio que passava a vida atazanando o “herói”/”princesa”, e que, no final, ou morria ou se safava para longe, ando por demais satisfeita.

A ideia básica de que você tem que ficar do lado do bem, senão você é totalmente mau, parece-me por demais ingênua e irreal.

As temáticas, por sua vez, nos ludibriavam (risos), e nos faziam sonhar: para mulheres, com um cavaleiro que apareceria em nossas vidas, montado num cavalo branco e cheio de dotes de poder e finanças, ofertando-nos uma bela vida de realizações e muito romance. Para homens, uma “boa” princesinha que, na sua “pureza virginal”, dispensaria equilíbrio e cuidados com a sua linda família da “coroa real”. A bruxa má ou vilão atrapalhavam um pouquinho a vida desse casal, mas sempre teriam um final trágico, remetendo-nos à confusa ideia de que não temos que conviver com o ruim, com o feio e com os problemas, e que tudo não passa de um lindo e encantado conto de fadas. (Na vida real, nunca será!).

Eita, que estou debochada!!!! Acontece que pude constatar uma verdadeira revolução nas temáticas abordadas, visto que, hoje, podemos perceber vários enredos e problemáticas que humanizaram os personagens e ainda nos proporcionaram a identificação com nossa realidade subjacente.

A partir daí, temos princesas assumindo o mercado de trabalho e enfrentando os descaminhos de uma vida mal-sucedida, com escolhas equivocadas, sofrendo do Transtorno de Bipolaridade, em conflito com os filhos… Temos príncipes/cavaleiros que não trabalham, que não conseguem nem ao menos se bancar, que cometem violência doméstica e o que apresentam problemas com alcoolismo.

O que ganhamos com isso? Se a vida imita a arte, como já dizia o poeta Oscar Wilde… Ou se “a vida não imita a arte. A vida imita um programa de televisão ruim”, como nos fez refletir o consagrado Woody Allen, com seus personagens reais, cheios de dramas, frustrações, patologias… Acredito que, de fato, estamos vivenciando a representatividade de várias problemáticas sociais e, melhor, podendo nos identificar com “a vida como ela é”, como diria Nelson Rodrigues. E, assim, de alguma maneira, vamos perdendo o preconceito com tantos assuntos que, de algum modo, estão postos na vida de todos nós, tirando-nos da posição de “juízes”, algozes de todas as causas, para nos tornamos humanos, humanizados pela arte, que sublima, para deixar mais leve os dias vividos.

Maíra Martinello: