Me contaram, semana passada, que existe um vento que se chama Bora. Foi num dos cursos que ando fazendo. O assunto era um outro vento, um vento que também tinha nome, mas já o esqueci, claro. Lembro que é ele, e não a chuva, o responsável por lançar a areia do Saara sobre os automóveis de Roma. Nunca, em nenhuma única vez que ouvi essa música, imaginei que houvesse mesmo um vento, ou chuva, apto a assinar sozinho essa promissória. Além da música, ela trouxe um outro tanto de informação sobre o danado. E não, não era um curso sobre fenômenos da natureza – embora fosse.
A moça que nos abria os olhos para o fenômeno disse, por exemplo, que durante a temporada do vento, o número de novas ideias, abertura de empresas, crimes, crises, internações, declarações de amor eterno, quebras de promessas (e é possível que eu tenha inventado os esses últimos dois) cresce assustadoramente. Disse ter ouvido de uma amiga, “vou me mudar dessa cidade. Não dou conta do efeito que o vento me causa”. Disse que a prefeitura instalou, primeiro temporariamente e depois de forma permanente, correntes pelas ruas em que ele chega sem timidez. Ninguém tinha certeza de quando seria preciso segurar-se nelas. Nessa hora todos nós – quer dizer, acho que todos nós, aposto que sim – pensamos: correntes de vento.
Foi a segunda história mais bonita que ouvi esse ano. Quando a moça parou de descrever o seu vento – e tive a sensação de que havia mais a ser dito, algo que nossas noites de folhas paradas a impediram de dividir – uma outra colega contou a primeira; a do Bora. Nos mostrou uma foto de um grupo de seis pessoas tentando resistir a ele. Disse que nos dias em que chega com mais força há quem evite sair de casa. As autoridades inclusive recomendam que se evite sair de casa. Numa foto que nos mandou como prova do que dizia, um moço de terno se agarra a um poste, um policial fardado cairá em alguns poucos segundos, uns outros descabelados seguram os casacos e as sacolas. No fundo, uma senhora de saia esvoaçante está solta, chapéu no ar, braços abertos tentando equilíbrio. Ela sorri para o Bora.
Sigo pensando no convite feito pelo vento e aceito desse jeito tão bonito por ela. É um vento de esquina, de decisão. Dobro para este ou aquele lado? Seguro o chapéu ou deixo que voe? Resisto na angústia ou me entrego à bagunça dos nós nos cabelos. As correntes, as autoridades, as recomendações, as promessas, o desejo de permanência, nos convidam a ficar. Mas são os ventos que nos convocam. Não consigo tirar essa história da cabeça. E tu? Bora? Boa semana queridos.
Roberta D´Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu e escreve semanalmente para A Gazeta do Acre e outros 17 veículos no Brasil, Estados Unidos e Canadá.