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Rosalina: quase 80 anos depois, a história da professora brutalmente assassinada chama atenção e seu túmulo é um dos mais visitados no Dia de Finados

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A história da professora Rosalina Sousa da Silveira poderia ser romântica, se não fosse trágica e se não revelasse a terrível realidade de muitas mulheres acreanas que são, até hoje, assassinadas por homens, por motivos banais ou mesmo sem motivo, como no caso dela, que teve a vida interrompida aos 20 anos de idade, no início da década de 40, por Lázaro, um presidiário que por ela nutria uma paixão platônica.

Rosalina, sepultada no cemitério mais antigo de Rio Branco, o São João Batista, tem o túmulo entre os mais visitados no Dia de Finados. “Mesmo tendo acontecido no longínquo ano de 1943, a cidade parece nunca ter conseguido esquecer a história do vil assassinato da inocente professora Rosalina da Silveira. Muitas são as pessoas que lhe fazem promessas e dizem ter recebido, através dela, os milagres e graças pedidas. Há relatos de milagres atribuídos à professora, e isso pode ser explicado pela própria cultura acreana, de raiz nordestina, que tem traços do cristianismo primitivo, em que a fé se manifesta nas pessoas comuns e está presente na dor e no sofrimento dos oprimidos”, explica o historiador Marcos Vinícius Neves, um dos estudiosos do caso.

Em vida, segundo a história contada por ele, a partir de vários relatos que coletou, a professora era uma pessoa extremamente carismática e cativante e atraía a simpatia de todos que dela se aproximavam. “A jovem professora Rosalina da Silveira era conhecida, nem tanto por sua beleza, mas por uma simpatia contagiante. Ninguém conseguia ficar triste diante daquele sorriso que parecia acender o dia. Para todos os que a encontravam, Rosalina sempre tinha palavras e olhares carinhosos. Era bom estar perto daquela moça simples e educada, que apenas começava a tomar ares de mulher”, descreve Neves.

Rosalina Silveira/Foto; cedida

Tal simpatia chamou a atenção de Lázaro, um dos presidiários da antiga Penitenciária Ministro Vicente Rao, a primeira de Rio Branco, prédio que virou Hotel Chuí e hoje é a Prefeitura de Rio Branco, e Rosalina dava aula no antigo Grupo Escolar 7 de Setembro, onde hoje é o Palácio das Secretarias, e morava mais ou menos em frente ao atual Colégio de Aplicação, na Avenida Getúlio Vargas. Então, seu trajeto diário era por ali. Pelo presídio, de onde ele passou a observá-la.

“Atrás da Penitenciária, ficava o pátio onde os presos, todos os dias, tomavam banho de sol. Como o pátio dos fundos não tinha muro, era cercado apenas por um forte alambrado, Lázaro podia ver os moradores circulando pela rua e, também, quando a jovem Rosalina saía de casa. Toda vez que a via, era a mesma coisa. Não conseguia evitar que uma forte emoção tomasse conta de seu coração rude e calejado, mas, em sua rudeza, acreditava que nem conseguiria falar com ela, teria vergonha, pois não passava de um criminoso analfabeto”, conta o historiador, acrescentando que ele era temido por ser extremamente violento e até era evitado por outros detentos.

É aí que surge nos relatos o pivô da tragédia que estava para acontecer: Praxedes, um jornalista, o único que lhe visitava. “Lázaro contou de seu amor por Rosalina, e ele prometeu a Lázaro que escreveria uma carta para Rosalina em seu nome. Se houvesse qualquer possibilidade de poder declarar seu amor, essa seria a melhor e mais correta forma de fazê-lo. Porém, ele nunca pensou seriamente em mandar carta nenhuma para Rosalina. Por isso, depois de mostrá-la para Lázaro, Praxedes a guardou, apesar de garantir ao amigo que a enviaria. Foi quando cometeu seu segundo e pior erro ao decidir responder, como se fosse a professorinha, à carta que, na verdade, nunca havia enviado. Assim, ele iria animar Lázaro e, ao mesmo tempo, poderia escrever outras cartas de amor para sua terna Rosalina, antes de fechá-las num envelope e guardá-las para sempre na gaveta. Esse seria um segredo só dele”, revela Neves, acrescentando que se passaram semanas, enquanto mandavam e recebiam cartas de uma Rosalina que só existia em suas imaginações.

Antigo presídio de Rio Branco, atual prédio da Prefeitura./Foto: cedida

Indiferente a tudo isso, porém, a jovem Rosalina seguia sua vida como qualquer outra moça de sua idade e, assim sendo, não demorou muito para que, finalmente, seu coração balançasse realmente por alguém.

“Um piloto de avião, que vinha regularmente ao Acre, teve a sorte de despertar o amor de Rosalina e se enamorou dela tão profundamente que não tardou a lhe propor casamento.  Quando Praxedes soube da notícia do eminente casamento de Rosalina se desesperou. Até aqui, o acaso lhe beneficiara, e ele havia conseguido manter sua farsa de cartas falsamente trocadas. Por isso, decidiu escrever o que deveria ser sua última carta, pretensamente assinada por Rosalina. Nela contou para Lázaro que um súbito amor tinha arrebatado seu coração e que, por isso, não poderia mais escrever para ele”, lembra Vinícius.

Ao saber da notícia, Lázaro ficou transtornado e teria gritado que a mataria e que nunca iria permitir que ela fosse de outro homem. Eis que, no dia seguinte, de acordo com o historiador, ele foi posto junto com outros presos, para roçar o capim na rua, onde ficava a casa de Rosalina.

“Ele estava tão cego pelo ódio que quase não percebeu quando Rosalina abriu a porta e saiu de casa para ir à escola, como fazia todos os dias. Ao vê-la, Lázaro sentiu seu ódio aumentar a um ponto insuportável e apertou com força o cabo do terçado com que estava cortando o capim da rua. Rosalina sentiu que havia alguma coisa errada e, ao olhar para a frente, viu um homem estranho vindo em sua direção. Sorrindo como sempre, Rosalina ainda tentou perguntar o que afligia o homem transtornado, mas não conseguiu sequer articular a frase que lhe escapava dos lábios. Só viu o brilho da lâmina do terçado, que cortou violentamente o ar para se cravar em seu coração e fazê-la cair inerte no chão”, relata.

Túmulo de Rosalina, no cemitério São Joao Batista/ Foto: Jairo Barbosa

Marcos Vinícius diz que existem outras versões para esse trágico acontecimento, mas que ele prefere contá-lo da mesma forma que os moradores de Rio Branco lhe contaram. “Contei essa história como me foi contada por várias pessoas, em ocasiões e lugares distintos. Existem acontecimentos que se perdem no pó dos tempos tão logo tenham passado. Outros ficam para sempre gravados na memória de homens e mulheres, que estiveram presentes ou não, tanto dos que contam, quanto dos que ouvem. Surgem assim, nas ruas e esquinas das cidades, vozes que não calam, anônimas, coletivas, fugidias, sussurradas, longínquas. Qual seria o segredo dessas histórias que ficam? O que tem de diferente das que desaparecem?”, indaga.

Sobre o que aconteceu com Praxedes depois, não se sabe ao certo, assim como o fim de Lázaro é ignorado. “Alguns dizem que ele se matou, outros contam que ele apareceu morto, anos depois, exatamente no dia em que teria chegado uma ordem do tribunal para soltá-lo, pois sua pena havia sido cumprida [ele cumpria pena por outro assassinato]. Não são poucos os que contam ter visto espíritos atormentados vagando no meio da noite, pelos corredores do prédio da Prefeitura de Rio Branco, a antiga penitenciária”, concluiu.

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