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‘Eu vou vencer pra ajudar essas crianças que sofrem’, diz Derineudo Santos, policial que promove rede de solidariedade no Acre

Projeto criado por Derineudo surgiu a partir do exemplo do pai e tomou forma com o apoio de amigos (Foto: Arquivo pessoal)

Talvez você não saiba quem é Derineudo Souza dos Santos mas, com certeza, se recorda do vídeo em que um policial militar ajuda um vendedor de picolés a comercializar seus produtos. Era 31 de dezembro de 2020, em Rio Branco/AC, quando o PM decidiu “fechar o ano com chave de ouro”, como ele mesmo disse, e encontrou o senhor Manoel Vieira, de 58 anos, pensativo na rua.

Naquele momento, Derineudo não teve dúvidas e decidiu o ajudar. Além de conseguir vender todo o carrinho de picolés do senhor Manoel, ele conseguiu arrecadar fundos para comprar uma casa para o picolezeiro, com ajuda da página de alcance nacional Razões para Acreditar que tomou conhecimento do caso e promoveu um financiamento coletivo para realizar o sonho de Manoel e da família.

Com a repercussão, em apenas quatro dias foram arrecadados R$113 mil e em maio, o senhor Manoel teve seu sonho realizado: sua casa, no bairro Altamira, parte alta de Rio Branco.

A ação, no entanto, foi apenas uma das milhares que Derineudo realizou e continua realizando ao longo de quase oito anos anos, enquanto coordenador do projeto Amigos Solidários no Acre, que ele desenvolve atualmente junto a cerca de mil voluntários no Estado. Hoje, o grupo atende diretamente cerca de 850 crianças e jovens.

Mas quem é o policial que ajuda tantas pessoas e promove uma onda de solidariedade no Acre e em todo o mundo onde as histórias alcançam? De sorriso fácil e coração caridoso, Derineudo tem 36 anos e é filho de Bartolomeu Bispo dos Santos e Maria de Souza dos Santos (In memoriam). É na família que ele encontra a força necessária para continuar nesta jornada árdua de solidariedade.

Derineudo ao lado o da esposa, Fábia Cristina Souza e do filho, Nickolas, de 13 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Além do exemplo do pai, que sempre foi uma inspiração, Derineudo conta com o apoio da esposa, Fábia Cristina Souza e do filho, Nickolas, de 13 anos. “O início de todo o projeto veio em decorrência da educação. Sou muito feliz por ter eles como pais, sou de Rio Branco, morava na conquista e essa familia maravilhosa me deu educação”, diz.

“A minha infância foi muito pesada. Eu sofri bastante com preconceito e eu sempre dizia pra mim: ‘Eu vou vencer pra algum dia ajudar essas crianças que sofrem’. Quem conhece esse rapaz aqui que sorri, tem um coração grande, ele venceu uma batalha muito grande. Eu usei o sofrimento da minha infância pra vencer, eu falei ‘não vou desistir, eu vou vencer. Eu dizia dessa forma, um dia eu vou ser grande, não vou ser o que as pessoas dizem, pelo fato da minha cor. Eu posso dizer hoje: ‘Eu venci'”, comemora.

De origem humilde, foi a partir de sua própria experiência sobrevivendo com recursos limitados ao lado de cinco irmãos, que Derineudo decidiu ainda criança que, um dia, iria ajudar quem precisasse de ajuda, assim como ele mesmo precisou e recebeu. Em uma dessas ocasiões, lembra ele, alguns amigos da igreja se uniram para comprar roupas para ele que sempre ia para o templo vestido da mesma forma, com a única roupa que tinha.

“Eu não sou de família rica, minha família é bem simples e carente de recursos financeiros, meu pai com seis filhos tentava dar o melhor pra nós. Eu lembro de uma vez que eu tocava na Assembleia de Deus e eu sempre ia com a mesma roupa, e um dia terminou o culto e um maestro da banda me disse ‘Derineudo, os componentes da orquestra se reuniram e juntaram isso aqui pra você’. Eles fizeram uma cota e compraram roupas pra que eu pudesse ir da melhor forma tocar com a banda de música da igreja, e isso eu não esqueço nunca. Isso só foi fortalecendo que eu deveria fazer isso e a hora ia chegar”, relembra.

Agora, anos depois, Derineudo rememora com lágrimas nos olhos este episódio que contribuiu para forjar quem ele se tornou e destaca:

“Hoje eu posso dizer a todos vocês que eu tô vivendo o melhor momento da minha vida onde coisas que eu sonhava com oito anos de idade, no meio da dificuldade, estou vivendo agora, pelo agir de Deus, à educação que meus pais me deram, pelos amigos que abraçaram, minha esposa maravilhosa (…) por isso Deus tem abençoado tanto esse projeto”, conta com lágrimas nos olhos.

Mas o melhor momento de sua vida, como Derineudo mesmo diz, representa a colheita de sementes que foram plantadas muito tempo atrás. No início do projeto, ele relembra, dúvidas pairavam sobre sua mente.

“No início eu perguntava muito pra Deus: ‘Como o senhor quer colocar uma pessoa que se sensibiliza tanto e não tenho condições de ajudar?’ Porque todas as casas que eu entrava, via pessoas passando fome, nas camas enfermas, e sem nenhuma ajuda pedindo ‘pelo amor de Deus’ uma coisa mais simples que é alimento. Para nós é algo que a gente tem condições, mas as pessoas implorando… E hoje eu vejo pessoas que me encontram, devido a visibilidade de varias histórias que acabaram ganhando alcance maior na internet e tem pessoas que chegam a se emocionar quando me encontram, é uma responsabilidade muito grande”, reitera.

Como tudo começou

Derineudo diz que, embora poucas pessoas saibam, o Programa Amigos Solidários começou através de sua própria família, pelo exemplo do pai, Bartolomeu, que desenvolvia uma ação chamada Família Musical. No projeto, o pai ensinava música para os sobrinhos, os filhos e o grupo se apresentava em escolas, praças, entre outros lugares.

“Com o tempo surgiu o Amigos Solidários, que começou em 2015 quando eu e a minha esposa tivemos a iniciativa de entregar cestas básicas no [bairro] Caladinho [em Rio Branco/AC], e fomos lá entregar sete brinquedos, só não sabiamos que era suficiente apenas para a entrada no bairro, porque havia cerca de 30 crianças aguardando, naquele momento foi uma situação mais desagradável do que prazerosa, porque a gente vendo aquela realidade tantas crianças querendo brinquedos, a minha esposa se emocionou, mas a gente entregou assim mesmo”, relembra ele.

Derineudo (à direita da foto) ao lado do pai, Bartolomeu, e outros amigos voluntários do projeto (Foto: Arquivo pessoal)

A partir desta experiência em que o sentimento de impotência tomou conta do casal, eles conversaram e decidiram relatar a experiência aos amigos mais próximos e familiares, além de publicar nas redes sociais, com o objetivo de fazer uma arrecadação e retornar ao bairro para alcançar mais crianças.

“Retornamos um mês após o acontecido com 750 brinquedos e 72 voluntários. Foi um impacto, porque a gente sabia que estava pedindo para um e para outro, mas não sabíamos que ia dar aquela quantidade. Os voluntários disseram que queriam continuar com a ação, e fizeram uma votação e aí ganhou o nome “Amigos Solidários”, e desde então, o grupo não parou mais.

Com cerca de oito anos de estrada, o projeto passou a tomar novos rumos. Segundo Derineudo, foi ao perceber que o assistencialismo não era suficiente para mudar a realidade das famílias que o projeto passou a ser desenvolvido também nas áreas de esporte, arte e profissionalisação.

“[Eu pensava] Essas crianças irão crescer comendo cachorro quente (é algo prazeroso), as familias recebendo cestas básicas (algo que é muito digno), mas eu preciso que elas possam se desenvolver pra que elas possam abrir a mente e começar a sonhar, fora da realidade muitas vezes ruins que elas vivem, então iniciou pela família, aí eu fui lá e disse chegou o momento e se iniciou a primeira escolinha cultural do projeto com música, com um ano de Amigos Solidários, e depois disso, outras pessoas que estavam acompanhando as entregas de cestas báscias, de alimentos”, explica.

Atualmente, o Amigos Solidários possui 13 escolinhas, com sete modalidades esportivas. São quase mil crianças oriundas de bairros pobres na capital acreana, como Caladinho, Juarez Távora, Aroeira, Jequitibá e Mocinha Magalhães.

“O projeto vem crescendo bastante. Costumo dizer que não se constrói grandes construções sozinho, sou muito grato a todos que abraçaram esse projeto, eu apenas represento esses guerreiros de coração tão grande que abrem mão muitas vezes do seu lazer, da sua família dos seus objetivos pessoais pra ajudar aquelas pessoas que estão às vezes sem esperanças, tristes, desacreditados da humanidade”, reforça.

Histórias que marcaram

“Verônica era uma potência no atletismo”, conta Derineudo sobre a menina que se tornou parte de sua família, mas faleceu deixando para trás uma saudade sem fim (Foto: Arquivo pessoal)

Ao longo de sua caminhada, Derineudo se depara com muitas histórias inspiradoras, mas nenhuma o toca mais do que a história de Verônica, uma menina de apenas 12 anos, querida por todos que a conheciam. Ela faleceu ao fazer um desafio da internet.

Nós tivemos uma jovem que encontramos no [Bairro] Aroeira, [chamada] Veronica. Ela esteve ao nosso lado durante dois anos, encontramos ela em uma casa simples, e essa jovem passou dois anos treinando, e fez um desafio da internet e faleceu. Era como uma filha pra mim. Quando ela partiu, foi quase um mês que não conseguia ouvir a palavra ‘projeto’, porque eu já ligava à ela. Hoje eu já consigo falar, o projeto continua, porque eu sei que se a Verônica estivesse viva hoje, estaria Brasil a fora no atletismo representando o Acre, o Brasil, e o melhor encantando e dizendo a todos os jovens ‘nós podemos sim encontrar no Esporte, na Cultura, na Educação, um caminho melhor pra nós e todos os que estão à nossa volta'”, reforça Derineudo.

Prêmio Razões para Acreditar

O policial ajudou o picolezeiro sem esperar nada em troca, mas a ação lhe rendeu um prêmio nacional meses depois, tornando o projeto ainda mais conhecido (Foto: Arquivo pessoal)

Com a repercussão de sua ação em favor do picolezeiro Manoel Vieira, Derineudo foi indicado e conquistou o Prêmio Razões para Acreditar 2021 na categoria “Vaquinha”. Ao todo, a premiação foi dividida entre 16 categorias e elegeu as histórias de maior destaque do ano, com direito a 600 mil votos do público para a disputa entre 48 concorrentes.

“O sentimento é de agradecimento, gratidão, a todos que fazem parte desse projeto. Eu não estou só, apenas represento um grupo de quase mil voluntários que trabalham direta ou indiretamente. As instituições parceiras que ajudaram [e ajudam] até hoje o projeto, onde ele chegou, com certeza tem voos mais altos a serem conquistados para que aquelas pessoas que muitas vezes não conseguem iniciar a sua caminhada possam receber ajuda dessas pessoas que estão batalhando por elas, porque existem pessoas que não conseguem gritar ou falar de tanta fome, de tanta falta de esperança”, destaca.

Como se voluntariar

Para se tornar um voluntário, basta entrar em contato com a equipe do Programa Amigos Solidários por meio das redes sociais como Facebook e Instagram. Doações também podem ser feita por meio de transferência via PIX: 30471045000105.

Confira a entrevista completa abaixo:

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Agnes Cavalcante: