“… tem certeza de que faz aniversário em março, mas não se lembra se é dia 3 ou 30… não, o aniversário de Vicente é dia 30 de março, agora se lembra com certeza, sua familiaridade com o dia 3 de março está relacionada ao terremoto de 1985 – pensa nesse terremoto, quando ele tinha nove anos, e então lhe vem à memória um terremoto muito pior, o de fevereiro de 2010…”
Dia 3 de março não é aniversário de Vicente, mas é o meu. O mesmo dia do terremoto que só durou 41 letras e 4 números em Poeta Chileno, de Alejandro Zambra, dos últimos livros, o mais comovente que li. Foi esse o parágrafo que me fez pensar no próximo 3 de março. Esse parágrafo que me fez buscar uma viagem de bicicleta para o Uruguai..
Ocorre que não sei andar direito de bicicleta, nem sei por que procurei o Uruguai e não o Chile. Não tenho os dois mil dólares só do terrestre. E eu adoro que as excursões incluam o hotel no terrestre. Sempre penso, e se for um prédio e meu quarto ficar no vigésimo andar, é aéreo ou terrestre?
Esse ano, 3 de março cai numa quinta-feira pós carnaval. E não haverá carnaval. Pelo menos o de rua (que, para mim, é o de verdade verdadeira). Eu me entristeço. No livro, a memória do terremoto de 2010 é também muito triste, por isso deixei a contagem de letras para o de 1985. Não porque terremotos sejam sempre tristes, e quase sempre trágicos, mas porque é a partir do terremoto (contém mini spoiler) que o protagonista recebe notícias do não desejo de continuidade de um relacionamento que lhe era muito caro. O relacionamento com o filho, com Vicente.
Muito mais caro do que os dois mil dólares do Uruguai. Embora o carnaval não vá acontecer esse ano, (quero acreditar que) nenhum acontecimento me fará não completar os 44 anos que completarei em 3 de março. Me diverti muito com a busca de uma viagem, por todas as circunstâncias que comentei, tão próxima do impossível. Ri da minha esperança ingênua. Da ideia de propor a mim mesma aprender o que já devia ter aprendido há décadas em pouco mais de um mês. Talvez o carnaval seja justamente essa ingenuidade. Ver possibilidades no impossível. Fantasiar-se de ciclista, uruguaia, chilena e até poeta. Talvez o carnaval seja o terremoto interno. Mesmo que dure 41 letras e 4 números ou as tantas outras que não contei. E acabei de lembrar de um poema lindo da Matilde Campilho. Que alegria. Deixo vocês com ela e desejo bons carnavais.
“Era capaz de atravessar a cidade em bicicleta só para te ver dançar. E isso diz muito sobre a minha caixa torácica”.