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Segunda-feira

Aquilo foi dando uma agonia. O edredom, o lençol, a parede e a camisola quase, da mesma cor. Coisa de 5% de magenta pra cá, 2% de cyan pra lá. Tinha certeza de que o edredom era jeans, o lençol azul e a parede lilás. Pelo menos quando foram comprados. E da noite pro dia, acordam assim, tudo nublado? Cogitou um mal sem cura, uma dessas descobertas que põem os parentes a mandar coração e lagriminha no whatsapp, visualizou o feed preto e branco do instagram, que doeria tão menos no olho, pensou até numa vida de filme francês, só que de verdade. Mas a perna continuava bege desbotada, e os livros ao lado da cama continuavam rosa e verde, o cabelo continuava marrom e o olho do gato ainda era amarelo.

Aquilo foi dando um cansaço. Duvidar das escolhas antes da 7h da manhã, segunda-feira ainda. A camisola era velha. Talvez só ela na origem fosse cinza. Não lembrava quão velha, nem de onde era, nem de por quê. Se deu conta de que era feia. Rendada de uma renda barata, já meio cheia de bolinha, apertada demais pra ser confortável e de menos pra lhe vestir bem. Esticou o braço pra alcançar o celular, mexendo o mínimo possível o pescoço e a cabeça pra ver se não acordava assim de todo acordada.

Aquilo foi dando um torcicolo, um peso na lombar. Queria checar a nota de compra dos monocromáticos. Estavam lá. Assim como as outras muitas mensagens de uma caixa de entrada nunca apagada desde que fez a inscrição no Gmail. No nome eram fumée, o jean do edredom; raf, o azul do lençol; e lembrança feliz, o lilás da tinta.

Aquilo foi dando uma tristeza. Pensou que se abrisse um por um os 2937 e-mails, só dos enviados – mensagens que, ainda ontem à noite, julgava tão particulares – encontraria quase o mesmo tom. Coisa de 5% de não pra cá, 2% de sim pra lá. Se deu conta de como era chata. Um tanto de frete caro, achando que sabia o que queria. Cada coisa numa loja diferente. Pra, no fim, comprar tudo igual. Se deu conta de como gostava do feed desconexo dos outros, do tanto de cor na vida dos outros, e de quanto tempo não via filme francês nenhum.

Aquilo foi dando um sono. E o barulho do telefone se misturou ao de uma chuvinha fina que começou lá fora. Ela esticou o corpo, compensou lombar e pescoço. O céu de azul, acinzentou. Nublou tão bem nublado. Uma delicadeza do tempo que achou bonito combinar com o quarto. Ela pensou que talvez ainda dê de começar de novo. Apagar as mensagens, pintar a casa de branco. Aquilo foi dando uma calma, uma calma…

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