Voltei pra academia. E digo assim sem firulas pra deixar logo claro que não vou filosofar sobre nada não. Prometo. Academia não tem mistério. Um monte de gente descabelada, com papel de treino personalizado na mão e fone no ouvido, embora já haja música tocando e quase todo mundo faça o mesmo treino; a coleção de tvs na parede ligadas no mudo, uma na patinação do gelo, outra num surfista com flor na cabeça e prancha no suvaco, e lá atrás, um jogo de basquete que não acaba nunca; homens treinando braço de duplinha e mulheres concentradas no glúteo e no abdominal; esteiras chiando do arrastado até o tiro de corrida, gotículas ou enxurradas de suor a misturar o cheiro salgado com o de eucalipto; todo mundo de preto, cansado e esperançoso de fibras musculares. Aquela coisa paga em 12 vezes no cartão, que eu provavelmente vou frequentar por dois ou três meses, no máximo. Mas voltei. Primeiro porque vou fazer 44 mês que vem. Se não arrumar essas fibras agora, não arrumo mais. Depois porque…
Sexta-feira, eu vi uma cena maravilhosa. Era a tal dupla. Estavam naquele banco em que se deita de barriga pra cima levantando uma barra cheio de anilhas pra trabalhar o peitoral, eu acho. A cena está montada para o primeiro que carrega umas cinco anilhas, o fortão. Conheço os dois da quarta-feira, quando um terminar o outro vai ajustar o peso do amiguinho. O que ajusta, segura o meio do bastão com dois dedos. Um apoio moral que eu nunca entendi. Ambos de regata, ambos soltarão uns gemidos engraçadíssimos a cada movimento, uuuuuuurh, errrrhe, sei nem escrever. Dito e feito. O fortão foi até que discreto nos barulhos, termina as oito repetições, contei, levanta. O menorzinho deita no banco suado mesmo, cúmplice dos fluidos alheios. Aí o agora assistente tira três anilhas de cada lado. O segundo já começa quase gritando, de dobrar as vogais que escrevi ali. Um negócio alto que pôs todo mundo prestando atenção. E eles nem eram tão fortinho e menorzinho não, tô aqui só tentando ilustrar pra vocês. Se fosse medir, os braços tinham micro centímetros de diferença só. Dá pra fazer seis. O chão já tá todo molhado. Lá vai o forte pra segunda série, chafurdar no banquinho. Até que o celular do gritão apita e ele se distrai numa mensagem, o dedo no botão do microfone confirma “bora!”. Fortão que até agora apertava o olho fechado, como que se concentrando, pensa que é com ele, levanta a barra com menos da metade do peso que levantou da primeira vez. Esse homem gritou tanto, gemeu tanto, fez cinco só. Soltou o negócio numa uma força, que o barulho de ferro batendo no suporte espantou até o surfista mudo da TV. Eu lembrei de um chefe (péssimo) que eu tive que repetia que o ovo da pata é tão gostoso quanto o da galinha, mas que o da galinha faz mais sucesso porque ela faz barulho quando o põe. O valor do sacrifício.
Absorto que estava pelo próprio sacrifício, quando levantou disse pro distraído. “Já arrumasse o teu?”. Nem se deu conta de que a carga não tinha sido alterada. Na verdade, carregava o peso do amigo, bem menor do que o que conseguia carregar. Nem se deu conta de que, levado pelo lamento do outro, lamentou em dobro. Seguiram o baile, seguimos todos. E eu passei o fim de semana pensando sobre a carga, o peso, a dor e o grito (o nosso e o do outro). Mas parei de filosofar, juro. Hoje eu vou no fim do dia. Prometo só pensar no glúteo. Boa semana, queridos.