Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Karina

No meio do ano passado, vi no instagram um post patrocinado que me chamou atenção. Era sobre ginástica facial. Cliquei e recebi outros tantos, de perfis diferentes. Eu andava paquerando essa ideia desde que vi uma foto minha, tirada de surpresa, e identifiquei um despencarzinho (zão) dos músculos do rosto. E aí vocês sabem como funciona, né? O Instagram não escuta só as conversas, ele escuta pensamento, só pode.

De todos, o que mais me pegava era o de uma moça chamada Karina More. A princípio, por desacreditar. Ela muito novinha, pele linda, músculos no ápice do turgor. Aí, minha filha, não precisa fazer nada. Ainda assim, passei a acompanhar os exercícios que ela propunha no feed, ver os stories, os antes e depois das outras alunas. Loucurinha, eu sei.

Karina tem um programa chamado Face Marathon e o vende nesses esquemas de lançamento, vocês conhecem? É uma estratégia marketeira que está por todos os segmentos de venda. A ideia é lançar iscas gratuitas e chamar quem está engajando para uma entrega paga mais completa. Já caí em vários. O Face Marathon foi um deles. A diferença é a de que deste não me arrependi.

Ela é realmente muito boa, os exercícios funcionam. E para além da promessa. Passei a sentir menos dores nas costas e bla bla bla. Se até agora vocês não se perguntaram o que faz alguém em fevereiro de 2022 gastar espaço pra falar de skin care eu vou estranhar. As cenas com as quais tivemos contato nos últimos dias deveriam me deixar envergonhada. Não é possível manter o desejo de apagar as rugas. Não cabe.

Mas cabe, sabe por que? Porque Karina mora na Ucrânia. Dos antes e depois de semanas atrás, seus stories passaram para a sua tentativa de fuga. Primeiro com o marido e agora sozinha. Ele foi proibido de deixar o país ontem. Essa moça está há cinco dias em um tipo diferente de maratona, dentro de um carro, economizando uma garrafa de dois litros de água, sem saber dele, com quem agora perdeu o contato, ou de si. Está suja, com fome e com sono. A guerra fica mais real quando a gente acompanha a experiência de alguém de verdade, alguém para além das estatísticas, alguém para além das histórias que serão contadas depois (sabe-se lá como).

Gente como eu e você, que trabalha, compra, vende, faz ginástica e rola o feed do instagram. É tempo de despencar, de cavar rugas. Por Karina, pelos das estatísticas e das histórias, que também são gente de verdade, e por nós. Olhar para o horror, de perto, olhos abertos, pra depois e só depois, elaborar. Nem tenho como desejar boa semana. Nos vemos na semana que vem, meus queridos.

Sair da versão mobile