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Acre registrou o maior número de novos casos de aids dos últimos 10 anos, em 2021

Em 2012, foram registradas 72 pessoas com aids no Acre. Em 2021, foram 351 notificações da doença.

Apesar do Brasil apresentar queda no número de diagnósticos de aids, nos últimos anos, ainda vive-se uma epidemia da doença, que teve os primeiros casos oficializados em 1982.  Em 2021, o país notificou 29.917 pessoas com aids, 20,7% a menos que no ano anterior, segundo o boletim Epidemiológico de HIV/Aids. Entretanto, no Acre, houve um aumento relativo de 33,8%, totalizando 351 casos, em 2021, o maior número desde 2012, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde do Acre (Sesacre).

Desde 2018, os dados mostravam uma queda nas notificações. Naquele ano, foram 293 novos casos e, no seguinte, caiu para 249. Em 2020, ano que começou a pandemia do coronavírus, a Sesacre registrou 188 pessoas infectadas com aids. Para a gestão da Sesacre, os números estão relacionados à quantidade e qualidade das testagens, sendo a pandemia um dos fatores que contribuiu, significativamente, para a diminuição dos testes.

“Muitos dos profissionais que atuam na atenção primária tiveram que se dedicar à execução dos testes e swabs para detecção da Covid. Em 2020, as pessoas também tiveram que permanecer em casa. Sem contar que os municípios não puderam, assim como o Estado, trabalhar ações de extramuros de testagem rápida, distribuição de insumos de prevenção e orientações junto à população”, explica Suilany Souza, chefe do Núcleo Técnico Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).

A capital Rio Branco é a cidade que possui o maior número de pessoas vivendo com a doença, totalizando 1461 casos, desde 2012. No ano passado, foram 281 notificações na capital, seguida por Sena Madureira, com 13 casos, e Assis Brasil, com 9. De acordo com a Sesacre, o aumento dos casos observa-se, principalmente no público masculino, na faixa de 20 a 34 anos de idade.

“Em 2021, voltamos a trabalhar as ações de testagem rápida, tanto nas unidades de saúde como também por meio de ações extramuros. As ONGs voltaram a realizar trabalhos voltados a diagnóstico, orientações e distribuição de insumos de prevenção. De qualquer forma, também não podemos dizer que não houve um aumento real no número de pessoas infectadas pelo HIV, principalmente nas faixas etárias mais jovens. Isso já vinha sendo observado mediante avaliação dos dados nos anos anteriores à pandemia em todos os Estados”, afirma Suilany.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2019, mais de 10,5 mil brasileiros morreram por complicações da aids, síndrome da deficiência imunológica adquirida. A doença é provocada pelo HIV, vírus que afeta o sistema imunológico.

Quando alguém é contaminado pelo vírus do HIV torna-se soropositivo, e a aids é uma das doenças que podem surgir. O sexo sem preservativo é uma das principais formas de contágio, além do contato com sangue contaminado, como pela transfusão. Mães soropositivas também podem contagiar os filhos durante a gestação, o parto e a amamentação.

No Acre, o Estado afirma garantir o fornecimento contínuo dos testes rápidos recebidos do Ministério da Saúde, além da oferta de preservativos. A Saúde diz ainda que tem reforçado junto aos municípios as orientações sobre a necessidade da testagem sem barreiras e garantido o fornecimento contínuo da Fórmula infantil para crianças nascidas de mães HIV positivo.

Para além do preservativo, após 40 anos de epidemia novas formas de prevenção surgiram, como a PEP e a PrEP, Profilaxia Pré-Exposição.

“A preocupação existe, e temos trabalhado parcerias em busca de melhorar a assistência, mas a população também precisa fazer a sua parte e procurar se prevenir: usar preservativos durante as relações sexuais, ter cuidado no uso de materiais cortantes, evitar o compartilhamento de seringas e agulhas,  e caso ocorra exposição ao vírus, fazer uso das profilaxias de prevenção (PEP e a PrEP), disponíveis também em unidades de saúde do Estado e Municípios”, diz Suilany.

Com 40 anos de epidemia de HIV/aids, os avanços científicos trouxeram tratamentos que permitem a vida normal de pessoas diagnosticadas com a doença. Além disso, as formas de prevenção também estão para além do preservativo, como a PEP, medicamentos que, em até 72 horas, podem proteger da infecção ao HIV após uma exposição de risco.

Outra forma é a utilização da Profilaxia Pré-Exposição, PrEP, medicação oral oferecida pelo SUS, desde o final de 2017, e que chegou ao Acre, no final de 2020, qunado 140 pessoas aderiram à prevenção.

Conheça a PrEP, medicamento de prevenção ao HIV disponível gratuitamente no Acre

A PrEP é um medicamento que consiste na combinação de dois antiretrovirais, que atua de forma preventiva, evitando, caso a pessoa entre em contato com o vírus do HIV, que este se multiplique pelo organismo. Ao todo, 29.989 pessoas estão cadastradas como usuárias da medicação pelo SUS.

“Se fosse possível um paralelo, seria como o uso diário de um anticoncepcional, por exemplo. A proteção está diretamente ligada à adesão aos comprimidos diários. Ou seja, é uma opção que funciona, mas se tomada de forma adequada”, explica o médico infectologista acreano Dyemison Pinheiro da Silva, que atua na área da Prevenção de HIV e Infecções Sexualmente transmissíveis (ISTs).

No Brasil, o serviço é oferecido a população-chave: gays e outros homens que fazem sexo com homens, população trans e travestis, profissionais do sexo e pessoas soronegativas para o HIV que se relacionam com quem vive com o vírus.

É o caso do advogado Geovanni Cavalcante, de 32 anos, que começou a tomar a PrEP, em abril do ano passado, após a indicação de uma prima, que é médica. Ele é homossexual e conta que aderiu ao método por ter uma vida sexual ativa com múltiplos parceiros.

“Eu me sinto muito mais seguro, porque em que pese eu usar camisinha, há sempre o risco dela rasgar, e eu perceber tardiamente. Além disso, no sexo oral, há risco de contágio pelo HIV, aí a PreP entra, justamente, pra fechar essas portas de contágio. A sensação é de maior proteção”, explica o advogado, nascido em Feijó, mas que vive em Rio Branco, único lugar do estado que oferece a PrEP.

Geovanni Cavalcante utiliza tanto a PrEP como o preservativo para se proteger do vírus HIV. (Foto: Arquivo pessoal)

O efeito da PrEP começa a funcionar cerca de 10 dias após o início do seu uso. Dyemeson Pinheiro reforça que a prevenção reduz, significativamente, as infecções, quando utilizada de forma correta. Ele ressalta ainda a importância da prevenção combinada:

“Existe um discurso muito voltado para o uso do preservativo, como única forma possível de evitar infecção pelo HIV, e isso não é verdade. As opções preventivas devem dialogar com o dia a dia de quem as utiliza e entender qual opção se encaixa melhor em sua rotina é essencial. Afinal, a melhor forma de prevenção é aquela que é utilizada da forma adequada. O uso de PrEP, inclusive, não exclui o uso do preservativo nas relações sexuais. Entramos aí no conceito de prevenção combinada, que seria a combinação de mais de uma opção preventiva, a fim de alcançar a maior proteção possível, como o uso de preservativos internos e externos, PEP (profilaxia pós exposição ao HIV – realizada até 72h após uma exposição sexual), diagnóstico e tratamento de outras ISTs – como sífilis, redução de danos, tratamento como prevenção, entre outros”, afirma.

Na cidade de São Paulo, o medicamento é oferecido em 55 unidades públicas de Saúde e possui mais de 10 mil pessoas utilizando a profilaxia pelo SUS, segundo dados divulgados pela prefeitura, em 2021. Neste mesmo ano, a maior capital do país apresentou diminuição da incidência do HIV, pelo quarto ano consecutivo.

Para o Dyemison, alcançar o fim da epidemia do HIV ainda é um grande desafio da nossa geração, mas ele se mostra otimista com os avanços da ciência.

“Entender que as pessoas são diversas e complexas é essencial para que possamos abrir nossos olhos para outras opções de prevenção, para além do uso de preservativos, que já se mostraram insuficientes para o controle da epidemia de HIV, quando utilizados isoladamente. Já existem estudos em andamento, com PrEP injetável bimestral, mostrando-se uma alternativa para aqueles que tem dificuldade em utilizar comprimidos diários, além de estudos com vacinas, como uma opção preventiva ao HIV – estes ainda sem resultados definitivos, mas que nos deixam esperançosos. O futuro está aí e que bom que ele tem chegado!”, declara o médico.

PrEP – Serviço no Acre

O Acre foi o último estado a oferecer a PrEP no país e possui apenas um ponto para a realização do tratamento, localizado na Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre). Mas a enfermeira responsável pelo setor, Gorete Soares, explica que o número de pessoas que procuram a profilaxia vem aumentando.

“A gente começou com uma procura bem baixa aqui no estado, só que, à medida que foi crescendo o público, eles foram falando uns com os outros. À medida que a gente foi fazendo capacitações, treinando outros profissionais de Saúde, também foi expandindo, e a minha procura aumentou muito mesmo. Tenho hoje quase 150 pessoas inscritas no programa”, afirma.

Para ter acesso gratuito à PrEP, basta ir ao Serviço de Assistência Especializada (SAE). “A pessoa pode vir, fazer uma consulta, uma triagem, na qual fazemos um teste rápido antes para descartar uma anterior pelo HIV. Essa pessoa vai fazer alguns exames, vai tomar a medicação e terá alguns retornos para fazer o acompanhamento, que é feito através de exame de sangue e teste rápido. Inicialmente, passo a medicação para 30 dias, e ela volta em 30 dias para pegar mais medicações e dar uma olhada nos exames. Estando tudo ok, ela pode voltar depois de dois meses e depois fica fazendo o acompanhamento de três em três meses”.

A enfermeira reforça que o medicamento deve ser tomado todos os dias e que começa a fazer efeito após sete dias, para relação anal, e 20 dias de uso, para relação vaginal. “Eu fiquei super feliz em saber que, mesmo sendo um Estado tão pequeno, o SUS disponibiliza uma estrutura mínima e acolhedora pra receber os pacientes do programa da PreP”, destacou Geovanni.

Geovanni Cavalcante  e a enfermeira Gorete Soares. (Foto: Arquivo pessoal)

Vale considerar que, assim como todo medicamento, a PrEP também pode apresentar efeitos colaterais: “A curto prazo, efeitos catedrais gastrointestinais, como náuseas e dor abdominal, que melhoram com o decorrer do tempo, e a longo prazo, alterações ósseas e renais, que são revertidas, após suspensão da medicação. Por isso, é uma tecnologia preventiva, que não pode ser utilizada sem acompanhamento de profissional da Saúde”, explica o médico Dyemison.

Apesar do aumento na procura pelo método preventivo, Gorete explica que o desafio ainda é informar o público que mais necessita da prevenção. “No consultório, quem vem procurar são pessoas que já tem um bom nível de esclarecimento, pessoas que já se previnem e estão atrás de mais uma forma de prevenção. O público que mais precisa de prevenção é o publico carente, que não tem conhecimento e acesso à rede de Saúde, e é esse público que que falta no meu ambulatório. É nesse público que eu preciso chegar, que, através das políticas públicas, a gente não tem conseguido, até pelas falta delas”, afirma.

Segundo a chefe do Núcleo Técnico Estadual de ISTs, o Estado tem trabalhado para oferecer tanto a PrEP quanto a PEP, em mais municípios. “Temos trabalhado por meio de pactuação em CIB, para que os municípios, principalmente os que recebem recurso financeiro de incentivo, a exemplo da capital, qualifiquem a rede e possam ofertar serviços de qualidade”, afirma Suilany Souza.

 


Daniel Scarcello: