Foi no dia 4 de novembro de 2021 que um acreano de 23 anos surpreendeu milhares de pessoas ao cantar “Nessum Dorma” em rede nacional. Nascido em Cruzeiro do Sul, Gustavo Matias é dono de uma potente voz, que contrasta com sua simplicidade, simpatia e seus 1,66 metros de altura. Ele ficou nacionalmente conhecido por ser o primeiro acreano a integrar a competição The Voice Brasil, da Rede Globo, e ainda chegar na final. Com os ‘pés rachados’ no chão, Gustavo concedeu ao site A Gazeta do Acre, sua primeira entrevista após a competição, e falou sobre sua história, projetos e o desafio de acreditar nele mesmo.
Quem viu o acreano cantando um clássico da ópera “Turandot” com tanta propriedade na TV não dever ter imaginado que o próprio cantor não acreditava que tinha chances de integrar o elenco do reality nacional. Gustavo demorou a acreditar que a criança do interior do Acre, que começou a se envolver com a música por um radinho de pilha pudesse conquistar tamanho feito. De origem humilde, a carreira artística sempre pareceu um sonho distante. Ele cresceu com a mãe e recorda dificuldades que passaram.
“Sempre via minha mãe batalhar muito por mim, a gente já passou fome. Teve dias que a gente comprava R$ 5 reais de banana, almoçava banana, guardava as cascas para noite, para fazer farofa e jantar. Às vezes, a janta era pouca, e ela ficava com fome para eu comer”, relata.
Apesar dos problemas, Gustavo conseguiu desenvolver sua paixão pela música ao se tornar aluno do projeto “Conservatório Musical”, que oferece aulas de música gratuitas para as crianças de comunidades carentes. Ao se destacar, ele passou de aluno a professor voluntário e em seguida entrou para a banda “Garotos do Sótão”, que se apresenta em diversos tipos de evento. Quando sua relação com a música pareciam estáveis, ele precisou fazer o que muitos artistas brasileiros fazem para sobreviver e buscou uma carreira paralela.
Em 2017, ele começou a cursar Física, no Instituto Federal do Acre (IFAC). “A música, para mim, era minha segunda opção, até porque, no nosso estado, na cidade onde eu vivo, é complicado viver de música. Necessitava e minha mãe também, ela estava desempregada, eu estava desempregado, então, eu tinha que ir atrás de algo que me desse renda”, recorda.
Mas parece que para a música, Gustavo não podia ser uma segunda opção, ou, pelo menos, para seu chefe, que virou seu pai de consideração, após anos de amizade. O cantor conta que foi Iverson Bueno, o gestor do projeto, quem insistia para ele se inscrever no The Voice Brasil. “Ele me conhece do meu trabalho, viu que eu cantava bem, viu meu desenvolvimento na banda, então, ele acreditou no meu talento, e sempre falava para eu me inscrever. Eu dizia que não ia me inscrever, que não ia dar certo, até chegar no ponto dele dizer: ‘Você vai se inscrever!’, e forçar, pegar vídeos e ele mesmo me inscrever”, conta.
Foi em janeiro de 2021 que Gustavo recebeu o email informando sua aprovação no programa. Durante quase seis meses, ele precisou manter o segredo entre sua mãe, o pai e poucos amigos do trabalho, pessoas as quais fez questão de manter por perto e ouvir, mesmo após a popularidade, depois da estreia na TV.
“Quando foi ao ar a primeira vez na TV, tive repercussão, ganhei muitos seguidores, muitas pessoas começaram a mandar mensagem de apoio, de carinho. Mas, mesmo assim, eu estava contando apenas com meus familiares, meus colegas de trabalho. O pessoal não acreditava tanto no que ia dar. Eu até entendo também, é difícil acreditar em algumas coisas, eu não acreditava em mim até chegar na final”.
Experiência The Voice Brasil
Enquanto alguns participantes do The Voice Brasil chegaram a se candidatar 10 vezes para entrar no programa, Gustavo foi selecionado de primeira, com sua inscrição ‘forçada’. “Quando eu olho (no e-mail) a mensagem: ‘Bem vindo ao The Voice’.. Nossa… alegria de mais! Saí correndo pelo trabalho, gritando com todo mundo, foi só alegria! E ainda assim eu não acreditava em mim, no meu talento. Foi só quando cheguei na final que eu disse ‘Caramba, chegue até aqui por esforço, por trabalho e puro talento’. Então, são certas coisas que a gente tem que ir construindo dentro de si”, declara.
Porém, dentro do reality show os desafios iam para além da autoconfiança. Gustavo comenta sobre as dificuldades no período das gravações no Rio de Janeiro, que exigiam disposição e paciência, como em todos programas de TV. “A gente sempre tem uma percepção um pouquinho errada das coisas que acontecem, mas não é bem aquele conto de fadas que a gente chega lá e canta e tudo mais não… Tem toda uma preparação antes, tem bastidores, é um programa de tv, é cansativo. A gente passa de 4 a 5 horas esperando para poder cantar, então o aquecimento vai para o ‘beleleu’, a paciência também vai pro ‘beleleu’, cansçao começa a tomar conta… é mais correria do que diversão”, descreve.
O acreano realata ainda sobre o momento em que quase perdeu sua vaga no meio da competição por uma crise de rinite. Foi no dia em que cantou “My heart will go on”, clássico pop eternizado pela voz de Celine Dion, na trilha do filme ‘Titanic’. “Alí tinha perdido a voz, estava sem voz. Tinha ido ao médico, na semifinal e me falaram que se eu não conseguisse cantar iam chamar a participante anterior que tinham eliminado para cantar no meu lugar e ir para a final. O que aconteceu com alguns participantes. Me levaram em médicoas lá, passei horas na fila sem voz, tomei uma gama de remédios para poder voltar aos pouquinhos e conseguir cantar”, conta.
As gravações ocorreram entre os meses de julho e agosto, quando os casos de gripe estavam em alta assim como a pandemia do Covid-19. Doenças e o cansaço nos estúdios foram os aspectos que Gustavo elencou como os mais difíceis de toda a experiêcia, mas destaca as pessoas como o melhor do que viveu no The Voice. “O que eu mais levo de positivo do programa, e que me ensinou muito, foram as amizades que criei lá, todo mundo se ajudava. Quando estava doente, todo mundo ficou preocupado, queriam fazer alguma coisa para ajudar. Pessoas que conheci, extremante talentosas e que vou levar para a vida toda”, declara.
Além dos participantes, os jurados também foram marcantes para Gustavo. Desde o carinho que recebeu de Claúdia Leite e Iza, à admiração que Michel Teló demonstrou mais de uma vez nos programas até seu técnico. ‘O Carlinhos Brow foi o técnico que ganhei de presente. Me deu liberdade para escolher as músicas que eu queria e para representar a arte que fui representar, que era o canto lírico. Então ele me deu total liberdade para escolher minhas músicas e fazer os arranjos que eu queria, coisa que algumas pessoas não tiveram”, destaca.
Sobre suas performances no palco do The Voice, ele elege a apresentação de “The Prayer”, com a particincapete Marya Bravo, uma das melhores e disse que foi a primeira vez que não ficou nervoso no programa. “Estava cantando ao lado de uma pessoa que eu gostava e para mim não era competição, foi um dueto mesmo. (…)
Sobre música e futuro
Com a participação no The Voice, Gustavo trancou o curso de Física, no sétimo período. No final de 2021, ele começou a ser remunerado como professor do Conservatório de Música por meio do Ministério Público do Acre (MPAC). Sem muitos detalhes, ele avisa que possui propostas e possibilidades para continuar na música. “Eu quero terminar a faculdade de Física, mas agora estou focando na carreira, até pelas oportunidades que estão aparecendo, pela visibildiade que o The Voice nos dá. Tem muita proposta aparecendo, então estou querendo focar nisso. Veio oportunidade, parcerias em outros estados, só que é complicado, a gente mora um pouquinho longe. Então, uma hora o outra vou ter que sair daqui”, revela.
Após quase desistir da carreira dos sonhos, Gustavo avalia como a falta de oportunidade e incentivo à cultura no estado acabam anulando as perspectivas dos artistas locais. “Todos esses fatores acabam dando um certo comodismo, uma aceitação de que não vai dar certo. A gente acaba aceitando que não tem como viver de música na nossa realidade, vira um comodismo e a gente não sai do sofá, não levanta para trabalhar em cima disso. Exemplo claro: eu. (…) Chegeui no The Voice empurrado pelo meu pai, mas toda técnica, todas a músicas que cantei lá foi por esforço meu, estudo meu de horas sentando vendo vídeos, treinando, ficando cansado, ficando rouco”, conta.
Técnica esta que Gustavo adquiriu estudando sozinho. Do radinho de pilha ele conta que passou a buscar óperas no Youtube e quando começou a dar aula recebeu o desafio de ensinar música clássica. Assim foi construindo a paixão pelo estilo que fez questão de levantar bandeira no programa. “A gente acha que no Brasil não tem pessoas que gostem de música clássica ou outros estilos, como jazz, blues…”, explica. Apesar de ser fã da música clássica, Gustavo Matias revelou que é musicalmente eclético e ouve de pop à MPB. Quer saber quais cantores ele admira? Então confira a entrevista na íntegra no vídeo abaixo:
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