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Reveiôm

Não era nada não, só sentiu vontade de dar notícias. Contar da vida de São Paulo, dizer que ontem mesmo tinha conhecido um menino, daí de Recife que se chama Keops. Keops divide apartamento com Ramses e eles moram no edifício Pirâmide. Seguia um rerere escrito assim com erre. Houve um tempo, em que Daniel julgou intrigantes, e até charmosos, os erros de Ju. No dia em que ela lançou um excesso com quatros esses – e sem rerere no final -, ele pensou que fazia sentido. Lhe escreveu um e-mail dizendo que ela tinha inspirado um ensaio seu sobre poética e elasticidade na língua portuguesa. Ela respondeu perguntando se ensaio era fixão. Ortografia ficcional.

Mas dessa vez o rerere não bateu bem. Ju foi pra São Paulo com objetivo e passagem de volta. Era uma pós de Comunicação na Contemporaneidade. Não passou do primeiro semestre. Venha pra casa, venha, ele apelou. Mas ela tinha vergonha de voltar sem diploma. Acabou achando uma especialização em História e Cultura. Pela falta de notícias do curso, Daniel desconfia de que o edifício Pirâmide foi o mais perto do tema  que ela chegou lá em São Paulo.

Hoje é o quarto aniversário do prazo da volta. E ela ia voltar. Tava tudo, como dizia Ju, meio combinado, meia calabresa, gíria paulistana que só existia na cabeça dela.  Ele pegou no computador pra saber do horário de buscá-la. Em Recife, mesmo na raiva, se busca no aeroporto. Mas não era nada não, só sentiu vontade de dar notícias. Além da história dos faraós, ela pedia ajuda na renegociação do aluguel, perguntava se ele entendia dessa coisa de IGPM. Entendia, embora o apartamento que tinha comprado para os dois já estivesse quitado.

Quando Ju saiu de casa, a geladeira ficou com um calendário que marcava a data da sua volta e uma coleçãozinha de dois post-its – janeiro de 2007, última intercalada do apartamento, julho de 08, último prazo do doutorado de Daniel. Enquanto lia a mensagem, se deu conta da repetição de palavras. Muitos últimos pra quem planejava começar uma vida. Tomou por sinal.

De resto era isso. Demorar pra escrever, tudo bem, atropelar o português, engambelar a vida acadêmica, conhecer dois recifenses numa noite só, bem também. Agora, refazer contrato de aluguel sem combinar, tascar um IGPM do nada. Parou de ler ali mesmo, essa mulher não volta mais não, e escreveu pra Dorinha, orientanda sua, que andava próxima que só ela. Uma insistência danada pra levá-lo no fim do ano pra casa de praia. Dá tempo ainda, Dorinha? A gente sai em 20 minutos, pra chegar antes do almoço, e aí?

Na tela do computador que apoiou ainda aberto no balcão, a mensagem de Ju continha mais um parágrafo. Tu acreditasse,  foi bonito? Tem aluguel nenhum, terminei a desgraça do curso, entreguei o ap. Chego meio dia, mala e cuia pro reveiôm e pro resto da vida. Tu me pega?

 

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