Que a mídia hegemônica é ruim, a gente até sabia. Mas não precisava demonstrar isso com tanta convicção na cobertura do conflito Ucrânia X Rússia. Nem a mídia dos EUA tem sido tão sabuja da narrativa do governo Biden para fazer propaganda russofóbica. É de dar vergonha o primarismo maniqueista da cobertura, juntando desinformação com arrogância.
O Fantástico do último domingo lembrava mais um terço de tão longo, perdoem a comparação, e que os mimizentos e carolas não problematizem, porque não tenho tempo, nem paciência para responder. A mídia progressista tem sido mais responsável e tratado o tema com o respeito e as limitações que a complexidade inerente que à situação exige. Mas na mídia hegemônica o axioma de que, numa guerra, a primeira vítima é a verdade foi atualizado para o não existe verdade porque nosso jornalismo só inventa. Não tem nem como fazer a verdade de vítima porque ela sequer existe na cobertura dos conglomerados midiáticos. É um desserviço tão letal quanto uma ogiva nuclear. Daí ressurge a dúvida, houve mesmo ou não uma aliança Bolsonaro-Globo?
Esqueceram os problemas do Brasil e do restante do focados apenas em queimar a imagem de Vladimir Putin desde que fez seu primeiro cocô. Deu vergonha alheia assistir o massacre. Que o jornalismo da emissora vem enchendo linguiça há tempos para entreter patrocinadores é sabido, mas algumas pautas são tão vazias quanto barriga de eleitor faminto. Dando uma breve olhada nos sites e jornais americanos, verifiquei que nenhum deu tamanho destaque a terrível guerra como a imprensa brasileira. Qual seria o motivo mesmo?
Algumas semanas atrás assistindo a outra litúrgica programação da Rede Globo – adoro quando trata de exploração do meio ambiente – o “Globo Repórter”, por exemplo, mas o programa em questão chamava atenção para os entregadores de comida. Fiquei indignada com a tentativa da emissora de esconder o resultado da informalidade no mercado de trabalho.
A reportagem abordava apenas os aspectos “edificantes” do trabalho dos entregadores, como eles tinham de manter o preparo físico, o esforço de trabalhar em uma jornada longa pelas ruas e a busca pela recolocação após o desemprego. Sobrou até um oi para a comunidade LGBT, com a abordagem de um aplicativo que contratava apenas entregadores LGBT.
Nenhuma palavra sobre a remuneração indigna dos entregadores, obrigados a trabalhar por mais de doze horas para receber às vezes menos de um salário mínimo por mês. Nada sobre os frequentes acidentes com mortes e ferimentos graves. Nem um caso de entregador que sofreu pela falta de direitos trabalhistas e previdenciários, consequência da informalidade.
O “Globo Repórter Especial” sobre os entregadores foi, na realidade, uma matéria publicitária das empresas de entregas por aplicativo na Globo. Uma vergonha para o jornalismo sério e comprometido com a notícia. É muito desonesto produzir uma matéria jornalística sobre entregadores e deixar de abordar os aspectos negativos deste trabalho, especialmente em função da informalidade que domina o setor. O trabalho informal não é bonito ou edificante. É o resultado do desespero de um trabalhador que precisa sustentar sua família. Trabalhador informal não é “empreendedor”, é apenas uma pessoa que não teve a oportunidade de conseguir um emprego formal com uma remuneração digna e todos os direitos trabalhistas e previdenciários.
Os prejuízos do trabalho informal são suportados e começam pela redução da massa salarial, passam pela percepção de benefícios como o bolsa família para atenuar a pobreza e estouram no SUS, que é sobrecarregado com trabalhadores doentes e acidentados por condições de trabalho insalubres e perigosas. Que fique bem claro que o trabalho informal só é bom para quem o explora, engorda lucros à custa da miséria do trabalhador. O trabalho bom é aquele que dá direitos e uma remuneração digna. Senti a vergonha alheia daqui!
Beth Passos
Jornalista