As imagens de uma câmera de segurança as quais A GAZETA teve acesso revelam os últimos momentos de vida do empresário Jorge de Souza Batista, o “Jorge das Flores”, um dos mais conhecidos de todo o Estado, no ramo de floricultura. Ele foi assassinado durante uma suposta tentativa de assalto, no dia 5 de fevereiro de 2022.
Na gravação interna da loja, é possível ver que, às 14h45 (horário de Brasília), em mais um dia comum de trabalho, Jorge sai do depósito e entra na loja, após ser chamado pela companheira Letícia Costa, 21 anos, para cumprimentar um cliente. Ao entrar no local, ele conversa com a funcionária, higieniza as mãos com álcool em gel, cumprimenta o cliente e retorna ao balcão, onde pega um pequeno pedaço de papel, faz anotações (“pra que vc me chamou”, diz o bilhete), entrega para a mulher, caminha calmamente pela loja e, após cerca de dois minutos, retorna ao depósito.
Às 14h48, é possível ver a dupla chegando de moto ao local. Eles não entram na loja, passam direto para o depósito (onde o empresário estava), que tem também acesso pela rua, e, menos de meio minuto depois, o primeiro tiro é ouvido. Logo após exatos oito segundos, um novo disparo também é escutado.
Assustados, Letícia, funcionários e cliente se entreolham sem entender o que estaria acontecendo e caminham para o depósito. Logo, é possível ouvir os gritos de dor de Jorge e o caos se instala no ambiente.
As imagens cedidas à reportagem – um total de 11 minutos – revelam ainda o momento em que o cliente sai do loja, procura pelos suspeitos, mas retorna ao interior da floricultura e ouve o apelo da mulher do empresário: “balearam o Jorge, liga pra ambulância”. “Eles não queriam nada!”, gritou uma funcionária, em desespero, como pode ser ouvido na gravação.
Neste momento, o cliente aciona a Polícia Militar, por meio da central 190, e também o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas devido à gravidade da situação e à demora no atendimento, o empresário acabou sendo levado pela companheira, Letícia Costa, ao Pronto-Socorro de Rio Branco, onde faleceu, horas depois, com um quadro de hemorragia interna e choque hipovolêmico.
“No depoimento do rapaz, ele diz que sabia que tinha um dinheiro dentro do carro mas, segundo as duas funcionárias que estavam dentro do depósito, ele [o acusado] em momento nenhum falou sobre esse dinheiro ou cogitou a possibilidade de coagir o Jorge e levar ele até o carro pra pegar esse valor. Ele, simplesmente, chegou, falou pra ele não reagir e efetuou os dois disparos”, relembra Letícia, que vivia com Jorge há pouco mais de dois anos.
O vídeo da câmera interna da loja, de acordo com a família, sequer foi solicitado pela polícia, no início das investigações, mas foi entregue, espontaneamente, pelos filhos, como prova, cerca de 15 dias após o crime.
Ali, se encerrava um ciclo de quase 66 anos de vida (Jorge faria aniversário em 10 de março), dos quais boa parte dedicados ao trabalho, por meio do qual o empresário se tornou referência em seu segmento e esteve presente em momentos felizes das vidas de muitos acreanos. Jorge das Flores partiu deixando três filhos: Ohana, Tiffany e Jorge Junior, além de dois netos: João Felipe e Ana Céu, esta última que ele sequer teve tempo de conhecer.
O que disse o acusado
Preso em flagrante, enquanto tentava fugir da cena do crime, Juliano Salvador Leitão disse, em depoimento à polícia, que o crime ocorreu a mando de uma facção criminosa. Segundo Leitão, ele não conhecia o comparsa que fugiu e o deixou a pé, após a suposta tentativa de assalto.
Tudo o que ele sabe, segundo disse em depoimento, é que o comparsa seria egresso do sistema prisional e que o encontro da dupla foi coordenado pelo grupo criminoso, em uma praça na frente de um supermercado, na Avenida Getúlio Vargas. De lá, seguiram juntos para a floricultura.
O foco dos criminosos seria o dinheiro que a vítima guardava no carro, mas, no momento do roubo, o acusado levou apenas a carteira de Jorge, com R$ 150, e, em nenhum momento, segundo duas funcionárias que estavam no depósito com Jorge das Flores, exigiram a quantia ou as joias de maior valor que a vítima estava, como um colar e um anel personalizado.
Também não foi esclarecido, até hoje, como os assaltantes sabiam da quantia que Jorge carregava no carro. Quanto aos tiros, o assassino disse que, ao pedir a carteira, Jorge a jogou no chão, e ele teve medo de o empresário estar armado. Por esse motivo, ele alegou que atirou duas vezes.
A prisão em flagrante de Juliano Leitão foi revertida em preventiva.
Onze dias após o crime, o suposto mandante da ação foi preso pela Polícia Civil, no dia 16 de fevereiro, próximo à fronteira com a Bolívia, na região do Abunã, na BR-364. Além de ser apontado como autor intelectual do assalto, Igor Cavalcante de Souza, mais conhecido como “Igão”, também é acusado de fornecer a arma que matou Jorge.
O terceiro envolvido, comparsa de Juliano Leitão, que teria dirigido a moto até a floricultura, ainda não foi preso, nem mesmo, segundo informações oficiais, identificado pela polícia.
“Migalhas”
“São dois meses com migalhas dadas a nós como respostas”. Assim a filha mais velha de Jorge das Flores, a publicitária Ohana Aiache, define os últimos 60 dias de investigações da morte do pai.
Para ela, embora as investigações tenham resultado na prisão de duas pessoas, e a polícia tenha afirmado, assim como o entendimento do Ministério Público do Acre, que o caso não passou de um latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte, algumas peças não se encaixam no “quebra-cabeças”, como, por exemplo, o fato de que todo o dinheiro que o pai tinha em mãos, um total de R$ 10 mil, e que estavam no porta-luvas de seu carro, não foi levado.
Discreto e cauteloso, Jorge, segundo a filha, não costumava andar com dinheiro, e esse é um dos motivos pelo qual a família não acredita que ele tenha sido vítima do chamado crime de ‘saidinha de banco’. Ao contrário do que foi informado, ele não havia retirado o valor de R$ 10 mil naquele dia. “A gente descarta essa versão, porque esse dinheiro já estava com ele em mãos, segundo a companheira do meu pai. Ele não costumava nunca deixar dinheiro no porta-luvas do carro. Eu cresci vendo meu pai esconder dinheiro, muito bem escondido, em lugares bem criativos, mas nunca no porta luvas do carro”, conta Ohana. Ela conta, inclusive, que esse mesmo dinheiro foi encontrado, depois, pelos funcionários da loja, e não pela polícia, que demorou a fazer a perícia no veículo.
“Até agora, o delegado e a Justiça só sabem dizer que foi um assalto que deu errado, porque meu pai reagiu, mas as testemunhas que estavam com ele na hora do ‘assalto’ insistem em dizer que ele não reagiu, com os braços pra cima, rendido, e, mesmo assim, foi baleado!”, lamenta.
A companheira do empresário, Letícia Costa, questiona também quem teria conhecimento de que Jorge guardava a quantia de dinheiro no carro. E se a polícia fez investigação adequada sobre isso. Ela conta que, na sexta-feira anterior ao crime, ela e o marido foram fazer compras na Bolívia e que isso pode ter também chamado a atenção de pessoas que conheciam a rotina do casal. Além disso, assim como Ohana, Letícia relata que, após o crime, funcionários chegaram a receber telefonema com ameaças de que a loja deveria ser fechada. Fatos que, até hoje, também não foram esclarecidos, após a investigação policial.
Além disso, Ohana e a família refutam a tese de que, pelo nervosismo da ação, o acusado atirou em um “impulso”, pois, conforme a gravação revela, o segundo tiro foi dado oito segundos após o primeiro.
“Dizem as autoridades que, segundo o ‘assaltante’, meu pai reagiu e, por isso, ele atirou duas vezes, mas meu pai estava rendido, entregou a carteira e, depois, foi baleado. Depois que estava no chão, o ‘assaltante’, que já estava se virando pra ir embora, deu meia volta e atirou, novamente, seis segundos depois, mas esse tiro, por sorte, e mesmo à queima roupa, não atingiu meu pai”, conta ela.
“Os disparos foram feitos no depósito e não dentro da loja, então, quem foi ali conhecia muito bem e sabia que o Jorge ia estar no depósito, porque ele não fica ali sempre. E eles não chegaram e foram à loja, como geralmente ocorre em um assalto, foram direto no depósito e levaram apenas a carteira dele. Mas o Jorge não reagiu, ele já foi assaltado ali na loja cinco vezes, então ele sabe como se comportar em uma situação como essa. Eu tenho convicção que jamais ele iria reagir, então acredito que não tenha sido um assalto”, corrobora Letícia Costa.
Terceiro envolvido ainda não foi identificado
O inquérito conduzido pela Polícia Civil já foi finalizado e o Ministério Público do Acre (MPAC) ofereceu denúncia contra os dois acusados. A denúncia foi aditada na véspera do aniversário de Jorge, 9 de março, incluindo Igor Cavalcante de Souza como réu, no processo, também pelo crime de latrocínio. O novo pedido foi aceito pela Justiça, no mês passado.
A denúncia contra Leitão já havia sido aceita pela Justiça, em meados de março, quando ele se tornou réu no processo. Apesar de o acusado confessar que agiu por ordem de uma organização criminosa, o Ministério Público do Acre fez a denúncia contra ele apenas por latrocínio, conforme relatório assinado pelo promotor de Justiça Marcos Galina, titular da 3ª Promotoria Criminal.
O relatório do Ministério Público demonstra ainda que o inquérito foi finalizado sem a identificação do terceiro envolvido no crime. “Vítima e funcionárias da floricultura estavam no interior do estabelecimento, quando o denunciado Juliano Salvador Leitão e comparsa desconhecido chegaram. Este conduzia motocicleta não identificada nos autos e trazia aquele na garupa”.
O documento diz ainda que “ao ouvir os barulhos dos disparos, comparsa desconhecido, que havia permanecido do lado de fora, montado na motocicleta, aguardando ação do denunciado, empreendeu fuga”. Juliano então “precisou fugir correndo, dirigindo-se à Avenida Getúlio Vargas, onde foi abordado por policiais militares que prontamente atenderam ocorrência”.
A reportagem de A GAZETA procurou o promotor Marcos Galina para esclarecer detalhes da investigação, diante dos argumentos da família e indícios de falhas no inquérito policial, mas o promotor respondeu, por meio de sua assessoria, que “não tem interesse em falar” com a equipe.
Procuramos também o delegado responsável pelo caso e seu substituto, já que o primeiro está de férias, mas não obtivemos sucesso no contato telefônico *******22, por chamadas ou mensagem via WhatsApp até a publicação desta matéria.
Ainda sem respostas convincentes para a família, a filha de Jorge, Ohana Aiache diz que irá guardar, para sempre, “as lembranças de um pai que nunca deixou faltar nada”.
“Ele dizia: ‘vocês não são filhas de pais que tiveram estudos, mas nunca eu e sua mãe vamos deixar faltar nada pra vocês. E, realmente, chegamos no Acre sem nada, morando de favor na casa de uma tia, mas, em pouco tempo, meus pais conseguiram achar um nicho de mercado que não existia no Acre e fizeram história, e nunca deixaram faltar nada pra gente. Lembro que, no começo, andávamos em uma moto Agrale vermelha e branca, eu, minha irmã, meu pai e minha mãe”, relembra.
“Ele foi o pai que fazia de tudo pelas filhas e pela família! Parece clichê, mas é verdade. Eu e minha irmã crescemos vendo e vivendo como uma mulher devia ser tratada. Recebíamos flores, nas ocasiões especiais, e até quando não tinha motivo. Foram muitas declarações de amor de parar o trânsito (ele não podia me ver no trânsito que ele parava, descia do carro só pra me dar bom dia, dizer que me ama e me abençoar). Meu pai sempre foi muito presente em tudo, quando éramos crianças e na adolescência, era o pai que conhecia todo mundo e conseguia entradas para as baladas mais legais. Era o tio preferido das nossas amigas. Graças a Deus, temos muitas boas memórias e lembranças incontáveis do pai que ele foi”, finaliza Ohana.