No sábado do dia 09 de abril, estava eu, sentado em uma cadeira de teatro de arena, nem próximo demais, nem longe demais, nem de frente, nem de lado; estava posicionado na fileira diagonal, como uma porta entreaberta. A recepção da equipe aos convidados, calorosa, contrastava com a fumaça interna ao ambiente. Eu pensei: “Será que vai ser assim?”, uma amiga disse: “eu enxergo assim quando estou sem óculos”, rimos. Desde o primeiro momento a sensação era de que havia algo a ser falado naquele espetáculo. As músicas de ambientação contavam sobre sentimentos; toca a sirene uma, duas. Agora vai começar.
Quando pensamos em cabo de guerra, pensamos em duas forças contrapostas em sentidos divergentes, uma puxa para lá e outra para cá. O maior ponto de tensão na corda está no meio – me perdoem os físicos se eu estiver errado –, mas ao meu ver, Lucas era o meio. Fatos da vida, ou “fatos físicos e mentais” como diz o folder de divulgação, aproximam mais a personagem da plateia. É como se os olhos de Lucas estivessem dentro de nós.
As dores, representadas pelos movimentos do corpo; as notas musicais sempre em suspense, agudas, que não se fecham, as veias saltadas na testa, as quedas, o andar tropo, o enrolar na corda. “O que se quer dizer?”, “existe risco em dizer?” e a pergunta em voz suave: e você, do que você tem medo?
Quando a dinâmica é apresentada pela primeira vez, a mente automaticamente pensa na resposta mais fútil e vazia possível “tenho medo de sapo”, mas logo em seguida percebo que não é um medo bom o bastante pra se apresentar em um espetáculo de tamanha profundidade. E é aí que, como o Lucas, começo a me questionar sobre a reflexão “você nem parece você”, ou, relembrando de antigas leituras, a reflexão de Clarice: “Se eu fosse eu?”.
Ainda assim a pergunta me assustava, na medida em que outras pessoas respondiam “medo de decepcionar”, “medo de não corresponder às expectativas”, o jogo estava ficando mais perigoso e eu pensei “tenho medo de tudo”, de modo assertivo. Ou, “quase tudo”, pelo próprio medo do alcance do que significa “tudo”.
É curioso notar que o espetáculo que inicia em um palco vazio, com uma corda e um homem, vai se tornando um ambiente, um espaço que ganha contornos, um espaço de coisas, espaço de muitas coisas, espaço de muitas coisas bagunçadas até o desfecho cósmico: o espaço – por ele mesmo.
Essa progressão que vai do início ao fim, caminha pelo perigoso interstício que existe entre a ideia de ordem e desordem. Seria esse o verdadeiro cabo de guerra? Quando se fala em saúde (corpo e mente, como referenciado pelo próprio texto), sobre qual ordem a mentalidade humana se estabelece? Existe algum grau de liberdade na mente dos “loucos de todo gênero”, como dizia o antigo Código Civil de 1916? E mais, existe liberdade na mente dos “capazes plenos a todos os atos da vida civil”?
A ideia de ordem carrega em seu conceito altamente volátil uma grande parte de prisão, assim como a ideia de desordem guarda consigo uma grande parte de liberdade. Talvez por isso, toda a corda desça, vencida pela desordem do espaço físico do cenário, mas com a total liberdade de consciência da personagem, que agora aparece cósmica, etérea.
A conclusão é alegre, não feliz, alegre. Pois a alegria é humana demais, é movimento impulsivo, é rir a partir de uma vibração humana química demais pra controlar. É essa mesma alegria cósmica que me faz o seguinte questionamento: Quando toda a corda é decida, o que está na ponta que a gente segura, é a vida, ou a morte de Lucas? Quando toda a corda é decida, quem somos nós?
Obs.: Esse pequeno texto foi escrito em qualquer um pavoroso domingo, dia altamente intoxicante que deprime os depressivos e angustia os ansiosos, e o que escreve se enquadra nas duas categorias.
Obs.: Apesar do cabo de guerra, sou feliz – e alegre de vez em quando.
*Gabriel Rodrigues é professor universitário, advogado e artista plástico
Cabo de Guerra entrou em cartaz no dia 1º de abril e as últimas apresentações desta temporada serão nesta sexta, 15, sábado, 16 e domingo, 17, no Teatro de Arena do Sesc, Centro de Rio Branco. O valor dos ingressos é R$ 20 (inteiro) e R$ 10 (meia entrada). Para mais informações, basta entrar em contato por meio dos telefones (68) 99988-3941 ou (68) 99961-7599.