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STJ decide aplicar Lei Maria da Penha à violência contra mulheres trans

A Lei Maria da Penha passa a ser aplicada também aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais, a partir desta quarta-feira, 6.  Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que, para efeito de incidência da lei, mulher trans é mulher também.

Já em 2016, o Acre foi o primeiro lugar em que a Lei Maria da Penha foi aplicada para casos como este. O professor e advogado Charles Brasil, doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília, construiu a tese, após uma mulher transexual ser violentada fisicamente pelo companheiro, em Rio Branco. Um juiz de primeiro grau do TJAC aplicou a Lei, sendo, então, a primeira decisão de primeiro grau do país nesse sentido.

“A aplicação do Direito precisa de uma conexão com a realidade social, para além da dogmática jurídica”, destaca Charles. (Foto: Arquivo pessoal)

“A decisão do STJ é importante porque confirma minha tese defendida e acolhida no TJAC, em 2016, o que demonstra que, lá atrás, já estávamos certos na argumentação jurídica defendida naquele caso concreto. A aplicação do Direito precisa de uma conexão com a realidade social, para além da dogmática jurídica. Nosso modelo constitucional tem como fundamento o respeito à cidadania e à dignidade humana, portanto, nesse caso específico, garantir esses fundamentos significa respeitar a diversidade na manifestação da identidade de gênero e nas subjetividades do sujeito constitucional, manifestadas nos direitos fundamentais”, defende o advogado.

O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram as medidas protetivas, entendendo que a proteção da Maria da Penha seria limitada à condição de mulher biológica. Ao STJ, o Ministério Público argumentou que não se trata de fazer analogia, mas de aplicar simplesmente o texto da lei, cujo artigo 5º, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência “baseada no gênero”, e não no sexo biológico.

“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.

Violência contra a mulher nasce da relação de dominação

Em seu voto, o relator abordou os conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero. Segundo o magistrado, “gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres”, enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo “não define a identidade de gênero”.

Para o ministro, a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas apenas exige, para sua aplicação, que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.

Quanto à aplicação da Maria da Penha, o ministro lembrou que a violência de gênero “é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem. A violência contra a mulher nasce da relação de dominação/subordinação, de modo que ela sofre as agressões pelo fato de ser mulher”.

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