O Instituto Internacional de Pesquisa (IRI)[i] da Universidade de Columbia nos EUA emite mensalmente previsões de temperatura e chuvas para até seis meses a frente. Recentemente a previsão emitida pelo IRI confirmou a tendência para uma seca severa, começando em maio para o sudoeste da Amazônia, uma área que engloba o Acre no Brasil, Madre de Dios no Peru e Pando na Bolívia. Desde de 2005, tem ocorrido nesta parte da Amazônia secas severas em intervalos de cinco a seis anos. Qual vai ser a nossa resposta desta vez?
A seca de 2005 e seus grandes incêndios estavam fora da experiência de muitas pessoas. Até aquele ano, o conhecimento geral foi de que as florestas do oeste da Amazônia eram úmidas demais para queimar. Mas em 2005, as florestas secaram tanto que o fogo se alastrou dentro delas, com linhas de fogo de quilômetros de extensão. Estes fogos afetaram as copas das árvores em alguns pontos, permitindo a sua detecção via imagens de satélite. Cerca de 350 mil hectares de florestas no Acre[ii] tiveram as suas copas afetadas e mais de 120 mil hectares de florestas em Pando[iii]. Madre de Dios não escapou, com cerca de 20 mil hectares de florestas afetadas.
A área de floresta afetada no Acre foi equivalente a um retângulo de 35 quilômetros por 100 quilômetros. Também queimaram mais de 500 mil de hectares de pastos e cultivos [iv]. Em muitas florestas, o fogo rasteiro mata as pequenas árvores mas às vezes não afeta a copa. As áreas de florestas afetadas pelo fogo em 2005 podem ser bem maiores do que estes números indicam. A fumaça gerada por estes incêndios em 2005 chegou a poluir o ar com concentrações dezenas de vezes superiores ao máximo permitido diariamente pela Organização Mundial de Saude – OMS.[v]
Depois da seca de 2005 muitos acharam que ela representava a maior seca do século[vi], um evento extremamente raro[vii]. Então, a seca severa de 2010 veio e cobriu uma área maior da Amazônia do que a observada em 2005.[viii] No entanto, no Acre, o estrago foi um pouco menor do que em 2005, com cerca de 120 mil hectares de florestas com copas afetadas pelo fogoii. Depois chegou a seca severa de 2016 em grande parte da Amazônia[ix], afetando pelo menos 30 mil hectares de florestas no Acreii.
O clima da Amazônia sempre varia, mas este padrão de secas severas cada vez mais frequentes levanta a questão se isso foge do que se esperava em termos de flutuações naturais. Cientistas sérios são cautelosos em dizer que um evento extremo de clima é resultado unicamente de atividade humana. Geralmente, falam que a influência humana aumentaria as chances de um evento extremo ocorrer[x]. Em nossa região, temos a atividade humana global aumentando a concentração de gases de efeito estufa[xi] e expandindo o desmatamento regional que reduz a ciclagem de água e aumenta o calor[xii].
Como notamos, o aumento da frequência de secas severas, que era de uma por século, agora está sendo uma a cada 5-6 anos. Esta é a tendência que combina com um prolongamento do período seco observado nas últimas quatro décadas, especialmente no sul da Amazônia[xiii]. Junto com o período seco mais prolongado, temos temperaturas aumentando na nossa região [xiv]. A combinação de temperaturas subindo e a estiagem prolongando não é boa, nem para agricultura, nem para pecuária[xv] e nem para abastecimento de água das cidades. As florestas da Amazônia estão perdendo a sua resiliência[xvi] de recuperação das secas nas últimas duas décadas e correm risco de entrar em colapso[xvii].
O que fazer? David Lapola da Universidade de Campinas e outros colegas fizeram 20 recommendações específicas[xviii] que podem ajudar a resolver estes e outros problemas na Amazônia. Elas serão discutidas num outro artigo, mas duas coisas cabem na categoria de “quando se encontra num buraco, pare de cavar.” A primeira ação é parar de desmatar. Os prejuizos econômicos, sociais e ambientais de longo prazo vão ser muito maiores do que os benefícios econômicos de curto prazo. Também evitar queimadas associadas a desmatamento reduziria problemas respiratórios causados pela fumaça[xix].
A segunda ação é reflorestar áreas degradadas. No Acordo de Paris da ONU, o Brasil se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares até 2030[xx]. Na Amazônia, o reflorestamento seria uma maneira de restaurar parcialmente a água necessária para agricultura e abastecimento de cidades. Esta água é fornecida pelos ´rios voadores[xxi] ´que levam água do oceano Atlântico para a Amazônia e até o sul do Brasil, Bolívia, Peru, Paraguai e Argentina.
Podemos começar este ano com um programa efetivo de controle de queimadas durante a seca, mas vamos precisar agir rapidamente[xxii]. O esforço para este ano precisa ser expandido e continuado para mudar o cenário de destruição da Amazônia com aplicação de manejo mais sustentável da agricultura e pecuária, evitar os desmatamentos e queimadas ilegais e reflorestar as margens de rios e igarapés na região.
Ou podemos deixar o ‘status quo’ continuar acelerando as mudanças que já estão em curso, onde secas extremas, ondas de calor e as chuvas vão ficar ainda mais fortes e intensos nos anos e décadas que vem. Neste caso, temos que pedir anticipadamente desculpas aos nossos filhos, netos e bisnetos por deixar para eles uma Amazônia ferida.
Figura. Previsão de chuvas na América do Sul para o período julho-agosto-setembro de 2022. As cores amarela e marrom significam chuvas abaixo da média. Fonte: https://iri.columbia.edu/our-expertise/climate/forecasts/seasonal-climate-forecasts/
Irving Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa em Clima Woodwell, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre.
Antonio Willian Flores de Melo e Sonaira Souza da Silva são Professores da Universidade Federal do Acre – Campus Cruzeiro do Sul.
[i] https://iri.columbia.edu/our-expertise/climate/forecasts/seasonal-climate-forecasts/ acesso: 19mar22
[ii] Silva et al. “Dynamics of forest fires in the southwestern Amazon”. Forest Ecology and Management 424. (2018): 312–22. https://doi.org/10.1016/j.foreco.2018.04.041.
[iii] Cots et al. “Análisis de la superficie afectada por fuego en el departamento de Pando el año 2005 a partir de la clasificación de imágenes del satélite CBERS.” Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis. 2007: 835-842.
[iv] Shimabukuro et al. “Fraction Images Derived from Terra Modis Data for Mapping Burnt Areas in Brazilian Amazonia.” International Journal of Remote Sensing. (2009): 1537–46. https://doi.org/10.1080/01431160802509058.
[v] Duarte et al. “Events of high particulate matter (smoke) concentrations in eastern Acre and their spatial relationship with regional biomass burning: the case of September 2005.” Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis 2007: 4453-4456.
[vi] Marengo et al. “The Drought of Amazonia in 2005”. J. Climate 21, (2008): 495–516. https://doi.org/10.1175/2007JCLI1600.1.
[vii] J. A. Marengo e J. C. Espinoza, “Extreme seasonal droughts and floods in Amazonia: causes, trends and impacts”, International Journal of Climatology 36, (2016): 1033–50, https://doi.org/10.1002/joc.4420.
[viii] Lewis et al. “The 2010 Amazon Drought”. SCIENCE 331, (2011): 554. https://doi.org/10.1126/science.1200807.
[ix] Erfanian et al. “Unprecedented Drought over Tropical South America in 2016: Significantly under-Predicted by Tropical SST.” Scientific Reports 7, (2017): 5811. https://doi.org/10.1038/s41598-017-05373-2.
[x] IPCC, 2021: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change
[xi] Sampaio et al. “CO2 Fertilization Effect Can Cause Rainfall Decrease as Strong as Large-Scale Deforestation in the Amazon.” Biogeosciences Discussions 2020 (2020): 1–21.
[xii] Cohn et al. “Forest Loss in Brazil Increases Maximum Temperatures within 50 Km.” Environmental Research Letters 14, (2019): 084047. https://doi.org/10.1088/1748-9326/ab31fb.
[xiii] Marengo et al. “Changes in Climate and Land Use Over the Amazon Region: Current and Future Variability and Trends.” Frontiers in Earth Science 6 (2018): 228. https://doi.org/10.3389/feart.2018.00228.
[xiv] Almeida et al. “Spatiotemporal Rainfall and Temperature Trends throughout the Brazilian Legal Amazon, 1973–2013.” International Journal of Climatology 37, no. 4 (March 1, 2017): 2013–26. https://doi.org/10.1002/joc.4831.
[xv] Rattis et al. “Climatic Limit for Agriculture in Brazil.” Nature Climate Change 11, no. 12 (December 1, 2021): 1098–1104. https://doi.org/10.1038/s41558-021-01214-3. Leite-Filho et al. “Deforestation Reduces Rainfall and Agricultural Revenues in the Brazilian Amazon.” Nature Communications 12, no. 1 (May 10, 2021): 2591. https://doi.org/10.1038/s41467-021-22840-7.
[xvi] Boulton et al. “Pronounced Loss of Amazon Rainforest Resilience since the Early 2000s.” Nature Climate Change, 2022, 1–8.
[xvii] Lovejoy, Thomas E., and Carlos Nobre. “Amazon Tipping Point: Last Chance for Action.” Science Advances 5, (2019): eaba2949. https://doi.org/10.1126/sciadv.aba2949.
[xviii] Lapola et al. “Limiting the High Impacts of Amazon Forest Dieback with No-Regrets Science and Policy Action.” Proceedings of the National Academy of Sciences 115, (2018): 11671–79. https://doi.org/10.1073/pnas.1721770115.
[xix] Butt et al. “Large Air Quality and Public Health Impacts due to Amazonian Deforestation Fires in 2019”. GeoHealth 5, (2021): e2021GH000429. https://doi.org/10.1029/2021GH000429.
[xx]https://www4.unfccc.int/sites/ndcstaging/PublishedDocuments/Brazil%20First/BRAZIL%20iNDC%20english%20FINAL.pdf
[xxi] Arraut et al. “Aerial Rivers and Lakes: Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America.” Journal of Climate 25, (2011): 543–56.
[xxii] Brando et al. “The Gathering Firestorm in Southern Amazonia.” Science Advances 6, no. 2 (2020): eaay1632. https://doi.org/10.1126/sciadv.aay1632.
[1] https://iri.columbia.edu/our-expertise/climate/forecasts/seasonal-climate-forecasts/ acesso: 19mar22
[1] Silva et al. “Dynamics of forest fires in the southwestern Amazon”. Forest Ecology and Management 424. (2018): 312–22. https://doi.org/10.1016/j.foreco.2018.04.041.
[1] Cots et al. “Análisis de la superficie afectada por fuego en el departamento de Pando el año 2005 a partir de la clasificación de imágenes del satélite CBERS.” Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis. 2007: 835-842.
[1] Shimabukuro et al. “Fraction Images Derived from Terra Modis Data for Mapping Burnt Areas in Brazilian Amazonia.” International Journal of Remote Sensing. (2009): 1537–46. https://doi.org/10.1080/01431160802509058.
[1] Duarte et al. “Events of high particulate matter (smoke) concentrations in eastern Acre and their spatial relationship with regional biomass burning: the case of September 2005.” Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis 2007: 4453-4456.
[1] Marengo et al. “The Drought of Amazonia in 2005”. J. Climate 21, (2008): 495–516. https://doi.org/10.1175/2007JCLI1600.1.
[1] J. A. Marengo e J. C. Espinoza, “Extreme seasonal droughts and floods in Amazonia: causes, trends and impacts”, International Journal of Climatology 36, (2016): 1033–50, https://doi.org/10.1002/joc.4420.
[1] Lewis et al. “The 2010 Amazon Drought”. SCIENCE 331, (2011): 554. https://doi.org/10.1126/science.1200807.
[1] Erfanian et al. “Unprecedented Drought over Tropical South America in 2016: Significantly under-Predicted by Tropical SST.” Scientific Reports 7, (2017): 5811. https://doi.org/10.1038/s41598-017-05373-2.
[1] IPCC, 2021: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change
[1] Sampaio et al. “CO2 Fertilization Effect Can Cause Rainfall Decrease as Strong as Large-Scale Deforestation in the Amazon.” Biogeosciences Discussions 2020 (2020): 1–21.
[1] Cohn et al. “Forest Loss in Brazil Increases Maximum Temperatures within 50 Km.” Environmental Research Letters 14, (2019): 084047. https://doi.org/10.1088/1748-9326/ab31fb.
[1] Marengo et al. “Changes in Climate and Land Use Over the Amazon Region: Current and Future Variability and Trends.” Frontiers in Earth Science 6 (2018): 228. https://doi.org/10.3389/feart.2018.00228.
[1] Almeida et al. “Spatiotemporal Rainfall and Temperature Trends throughout the Brazilian Legal Amazon, 1973–2013.” International Journal of Climatology 37, no. 4 (March 1, 2017): 2013–26. https://doi.org/10.1002/joc.4831.
[1] Rattis et al. “Climatic Limit for Agriculture in Brazil.” Nature Climate Change 11, no. 12 (December 1, 2021): 1098–1104. https://doi.org/10.1038/s41558-021-01214-3. Leite-Filho et al. “Deforestation Reduces Rainfall and Agricultural Revenues in the Brazilian Amazon.” Nature Communications 12, no. 1 (May 10, 2021): 2591. https://doi.org/10.1038/s41467-021-22840-7.
[1] Boulton et al. “Pronounced Loss of Amazon Rainforest Resilience since the Early 2000s.” Nature Climate Change, 2022, 1–8.
[1] Lovejoy, Thomas E., and Carlos Nobre. “Amazon Tipping Point: Last Chance for Action.” Science Advances 5, (2019): eaba2949. https://doi.org/10.1126/sciadv.aba2949.
[1] Lapola et al. “Limiting the High Impacts of Amazon Forest Dieback with No-Regrets Science and Policy Action.” Proceedings of the National Academy of Sciences 115, (2018): 11671–79. https://doi.org/10.1073/pnas.1721770115.
[1] Butt et al. “Large Air Quality and Public Health Impacts due to Amazonian Deforestation Fires in 2019”. GeoHealth 5, (2021): e2021GH000429. https://doi.org/10.1029/2021GH000429.
[1]https://www4.unfccc.int/sites/ndcstaging/PublishedDocuments/Brazil%20First/BRAZIL%20iNDC%20english%20FINAL.pdf
[1] Arraut et al. “Aerial Rivers and Lakes: Looking at Large-Scale Moisture Transport and Its Relation to Amazonia and to Subtropical Rainfall in South America.” Journal of Climate 25, (2011): 543–56.
[1] Brando et al. “The Gathering Firestorm in Southern Amazonia.” Science Advances 6, no. 2 (2020): eaay1632. https://doi.org/10.1126/sciadv.aay1632.