Aquele momento de ser mãe da sua mãe, que chega para quase totalidade de mulheres, embora o momento de ser pai da sua própria mãe chegue para pouquíssimos homens. Todos sabem do que eu estou falando.
Mulheres que engordam para se defender de abusos. Mulheres que emagrecem como se estivessem se desintegrando diante dos olhos de todos. Mulheres que engordam para ocupar todo o espaço que lhe roubaram. Mulheres que emagrecem para caber em relações que lhes apequenam. Mulheres que engordam para afugentar predadores. Mulheres que emagrecem para caber no oco da árvore. Mulheres que engordam como se devorassem todas as limitações, em um exercício de ferocidade.
Mulheres que emagrecem para acelerar o abate, em um gesto de auto misericórdia. Mulheres que engordam como se tornassem toda a orquestra e o próprio palco. Mulheres que emagrecem para alcançar a paz e o silêncio da invisibilidade. Mulheres que engordam para se autorizar à fúria dos ursos. Mulheres que emagrecem para restituir a leveza de pássaro.
Ser mãe e mulher é pensar que nunca estão prontas. Que se cobram de melhorar demais, antes de ousarem caminhos, de pagarem para ver. Adoecem por não serem boas o bastante, mas boas para quem? Que se sentem sujas, culpadas, erradas, inadequadas, feias, inacabadas de alguma forma, pobres, medrosas, indignas de outra vida. E que colocam a sua autoimagem ruim como uma barricada entre si mesmas e seu objeto de desejo.
Mulheres que se deixam sempre para depois. Não posso, porque é preciso limpar a casa. Não posso, porque preciso me sacrificar em nome da família. Não posso, porque não vou arrumar algo ou alguém melhor. Só quando eu conseguir o emprego dos sonhos. Só quando eu conquistar o corpo ideal. Estou amando e sendo amada, preciso aproveitar que finalmente aconteceu, não posso me realizar individualmente agora.
É mesmo uma procrastinação sofisticada, que está em toda parte, porque você pensa SER ela. Mulheres que se impõem tarefas hercúleas para que se aceitem, com seus poderes brigando entre si, sem nunca despertarem para uma totalidade. Parece que coloca todas as imperfeições com um peso de imundice entre si e o caminho que realmente quer seguir, para ficar eternamente pendentes.
O pretexto para andar em círculos está à mão: botamos a culpa na necessidade de faxina e correção e a partir daí é só deixar que a poeira e o erro piorem cada vez mais, para que seja uma tortura passar para próxima fase da vida.
Sonhar e ter pânico de materializar seus sonhos. Raramente nos sentimos tinindo para ir lá ganhar o mundo, viver o que realmente queremos, em comparação aos homens, percebem? Parece que o mecanismo é esse: travar pela vergonha e pela inadequação onde deveria haver tesão de evoluir, de receber o que a vida quer nos dar.
Então, sendo essa mulher, nunca escalo as montanhas que eu mesmo invento. Agravo a pendência até o ponto da vergonha e da culpa. Privo o mundo da diferença que poderia fazer. E me mantenho eternamente à espera de mim mesma, como um projeto que ainda não se consumou.
Beth Passos
Jornalista