Melissa saiu da loja pronunciando com estranhesa as palavras que sobraram. Subiu cinco quadras no mantra: crédito, Tramontina, Preçolândia. Anos de fono e ainda sofria com os Rs duros. Combinou consigo que, para o banho, daria play em quakquer um do dr. Drauzio, só pra ouvir os horíveis, espiros, caregadas que ele solta com tanta naturalidade. Dr. Drauzio, o Rivotril de Melissa.
Já no térreo do prédio, cruzou o zelador e a notícia. Fala, Melissa. Tá sabendo da conversa do 82? Vão reformar. Quando? Parece que começa amanhã. Mas é o quê? De primeiro foi o mofo na parede da sala. Capaz de manchar o tua. Mas a galera tá com grana, parece que vão trocar piso e tudo. Ainda bem que tu passa o dia fora.
Ela subiu sem segurar o elevador pra moça que chegava com o carrinho de pet. Foi um alívio, uma espaço pra vazar crítica à cena que sempre lhe deixava de herança o Rock da Cachorra do Eduardo Dusek. Do térro até o oitavo: primeiro, galera, grana, primeiro, galera, grana. Pois se a galera já tava cheia da grana e sempre primeiro, sempre antes dela, aquela lá -também vazando pela parede -já tinha dona. E a dona era Melissa.
Começou pelo cantinho em direção à lateral, numa força que sequer imaginou ter no braço. Cada pancada deixava mais clara a arquitetura. O buraco não fazia 81 e 82 encontrarem, era um vão de, no máximo dez centímetros. E, embora essa palavra seja feia, não há nada que se aproxime mais do que dizer que o vão parecia socado de dinheiro. Ela seguiu, mesmo que o telefone gritasse a dúvida de Guilherme: cadê Melissa? Zé Celso também insistiu, conhecia a amiga. Já tinha a visto faltar o trabalho, mas uma única, aquela da carona, e não foi bonito de ver não. Aos toques do celular somava-se agora o latido do Lipe do 91 e o interfone. Era meio dia, horário proibido para grandes barulhos.
O braço cansado de Melissa não desobedecia à ordem de seguir batendo, mas já batia meio descordenado. Tinha chegado até a porta quando o toque da campanhia lhe despertou para a segunda etapa da operação. Subiria a faixa de parede. Sentada. Dinheiro que não acabava mais, foi até o outro lado e, de novo em direção à porta agora já de joelhos. Isso sem parar um único segundo. Ouviu os gritos do zelador? De um Zé Celso que baixou na Cardeal no meio do expediente? Do barulho das sirenes lá fora? Ouviu. Mas a pressa, minha gente, se não é surda, também não é besta. É meu, ela gritava. Meu.
Já em pé, gesso caindo pra tudo que é canto, marreta da polícia arrombando a porta na mesma velocidade em que martelo quebrava a parede, perdeu a mão do Tramontina e, na volta de uma ida, danou o negócio na testa. Com a força do mundo inteiro. Traumatismo craniano. Dizem que pode até ser que volte. Mas Guilherme já abriu processo seletivo. Horrível.