Depois de três dias de julgamento, foi encerrado nesta quinta-feira, 19, o júri popular dos réus Ícaro José da Silva Pinto e Alan Araújo de Lima, acusados pela morte da jovem Jonhliane Paiva, de 30 anos, ocorrida em 6 de agosto de 2020, em Rio Branco.
Por maioria de votos, os jurados do Conselho de Sentença da unidade judiciária entenderam que tanto Ícaro quanto Alan praticaram o crime de homicídio doloso simples, sendo que Ícaro também cometeu os crimes de embriaguez ao volante e omissão de socorro.
A sentença foi lida por volta das 18h, pelo juiz Alesson Braz e, conforme a decisão, Ícaro foi condenado a 10 anos e 10 meses de reclusão por homicídio doloso simples, além de perder o direito de dirigir pelo período de dois anos. Já Alan foi condenado a 7 anos e 11 meses de reclusão no regime semiaberto, podendo recorrer em liberdade. O alvará de soltura foi expedido imediatamente e logo após a leitura da sentença, ele foi liberado.
Além das penas, o juiz Alesson Braz também determinou o pagamento de uma indenização no valor de R$ 150 mil, sendo que R$ 100 mil deverão ser pagos por Ícaro e R$ 50 mil por Alan à mãe de Jonhliane. O magistrado também considerou que os réus deverão pagar, mensalmente e de forma vitalícia, uma pensão à mãe, equivalente a dois terços do salário que Jonhliane recebia à época dos fatos, sendo que Ícaro deverá pagar R$ 977,77, e Alan, o valor mensal de R$ 488.
Durante a leitura da sentença, o juiz Alesson Braz destacou que o júri “entendeu que o réu [Ícaro] assumiu o risco de matar, conduziu veículo automotor com velocidade alterada, em razão da influência do álcool, e não deve ser absolvido tanto pelo homicídio quanto pelo crime de embriaguez ao volante, não prestou socorro à vítima e não deve ser absolvido pelo crime de omissão de socorro. Com relação ao Alan, os jurados entenderam que ele concorreu para a morte da vítima e não deve ser absolvido”, destacou.
Braz também destacou que ficou reconhecido o “racha” praticado pela dupla. “Reconheci que eles desenvolviam o racha, no momento dos fatos, e para os demais crimes, entendi que essas circunstâncias não extrapolam os tipos penais. Ele (Ícaro) tem maus antecedentes, pois foi condenado em Ilhéus, em 2017, não apresenta nada que desabone sua conduta social. O motivo do crime não foi descoberto, as circunstâncias do homicídio foram desfavoráveis ao fato, tendo em vista que a vítima foi morta por um racha, em uma das principais avenidas da cidade, enquanto estava se deslocando para o seu trabalho”, destacou.
Confira o resumo do julgamento
Realizado na 2ª Vara do Tribunal do Júri e Auditoria Militar da Comarca de Rio Branco, o júri popular de Ícaro José da Silva Pinto e Alan Araújo de Lima começou, no dia 17 de maio, e terminou nesta quinta-feira, 19, após três dias de intensos debates. O julgamento ocorreu quase dois anos após a morte de Jonhliane Paiva, que tinha 30 anos à época dos fatos.
Para o júri popular, foram sorteados sete jurados, conforme o rito previsto na legislação. As audiências foram presididas pelo juiz Alesson Braz.
No primeiro dia de julgamento, nove testemunhas foram ouvidas, tanto de defesa quanto de acusação. A primeira testemunha ouvida foi o perito oficial da Polícia Civil João Marinheiro, que explicou as informações técnicas acerca do laudo anexado aos autos. Uma das informações prestadas pelo perito foi a de que, com o impacto da colisão, a vítima, Johnliane Paiva, foi arremessada a 74,5 metros de distância, e a moto em que ela trafegava ficou presa na BMW, dirigida por Ícaro Pinto, sendo arrastada por 114,70 metros.
Conforme o perito, as imagens de câmeras de segurança da região onde o acidente aconteceu, na Avenida Antônio da Rocha Viana, revelaram que apenas os dois veículos estavam em velocidade acima do permitido na via. Logo, o especialista reafirmou seu entendimento de que houve a prática de “racha”.
Ainda no primeiro dia, estava previsto também o depoimento do delegado responsável pelo inquérito policial, Alex Danny, que havia sido arrolado como testemunha, mas ele foi dispensado pela defesa de Ícaro. À tarde, outras três testemunhas arroladas pelo Ministério Público do Acre foram ouvidas.
O que disse Ícaro
O segundo dia de júri, na quarta-feira, 18, foi marcado pelos interrogatórios dos réus e debates acalorados entre acusação e a defesa. O primeiro a ser ouvido foi Ícaro Pinto, que começou seu depoimento confirmando que já foi detido em razão de uma situação de trânsito, na Bahia, cujo processo está em andamento. Segundo ele, a festa que antecedeu a morte de Johnliane começou no dia 5, era um evento de quatro amigos em que cada um podia chamar até dez pessoas. Ele diz que chegou à festa com Hatsue, a ex-namorada, e que estava tudo bem, porém, no meio da festa, uma terceira pessoa teria beijado Hatsue, causando uma discussão.
“Tudo teve início em uma festa, que fui junto com a Hatsue Said Tanaka. Convidamos algumas pessoas para ir ao local. Estávamos confraternizando. Ficamos até uma três, quatro horas da manhã. Hatsue tem depressão, ela estava alterada. Chegou o Luiz Gomes, que ela conhecia há um tempo, deu um beijo nela e tivemos uma discussão. Uma hora depois, resolvemos ir embora. Tinha bebido um litro de cerveja e um copo de whisky com energético”, disse Ícaro. Assim que saiu, ele disse que olhou o celular pra ver se estava tendo blitz, pegou a Antônio da Rocha Viana, em velocidade compatível com a via, mas a discussão com a então namorada seguiu e, no calor da discussão, ele acelerou o carro para deixar a namorada em casa. “Indo para casa, retornamos com o assunto. Olhei o celular para ver se tinha alguma blitz. Na Antônio da Rocha Viana, começamos a discutir, ela perguntou porque agir daquela forma, batendo no painel do meu carro, reclamando da situação. Foi quando perdi a atenção ao volante, avistei o fusca do Alan, e outros carros, e consegui desviar. Tentei desviar da moto, mas, infelizmente, atingi a Jhonliane, não pude evitar”, afirmou ele ao juiz.
O que disse Alan Silva
Já Alan Silva, em seu depoimento, disse não ter bebido, reafirmou que não conhecia Ícaro e que não praticava “racha”. Ele confessou também que tinha consciência em estar dirigindo em alta velocidade, que viu o acidente, parou, e ainda tentou ver para onde o carro de Ícaro tinha seguido. Na oportunidade, ele comentou os dias em que ficou preso no Complexo Prisional Rio Branco, antes de ir para o Batalhão Ambiental, onde encontra-se preso, atualmente.
Alan destacou que sofreu ameaças e extorsão na cadeia, no período em que estava no presídio Francisco d’Oliveira Conde. Em seu depoimento, ele conta que nunca bebeu e que não deseja a ninguém o que está passando.
“Nunca fui preso. Não faço uso de bebida alcoólica. Morava com meu pai, sua mulher e um irmão. Eu não tenho nada a ver com isso. Fui à festa junto com o Eduardo, um amigo. Fiquei cuidando dele, pois era mais novo. Minha irmã, Dayane, conhece o Ícaro, eu não”, disse Lima.
Alan respondeu os questionamentos do juiz Alesson Braz, sempre ressaltando que não teve nenhum envolvimento com o crime.
“Fui embora da festa umas seis horas da manhã. No trajeto, estava indo deixar o Eduardo e, na proximidade da rotatória do Detran, perto da Igreja Assembleia de Deus, aconteceu o acidente. Parei do lado do corpo dela, falei com um rapaz que estava perto da vítima. Tinha uma base para onde Ícaro tinha ido, mas voltei para saber como Jhonliane estava”, afirmou o segundo réu.
Alan contou ainda que parou o veículo que estava dirigindo em um posto, depois do ocorrido. “Parei o carro, que era do meu irmão, não desci, pois tinha muita gente no local. Vieram perguntar o que tinha acontecido. Disse que tinha escutado o barulho da batida, que era um carro azul. Me senti mal, não me senti seguro no local, e fui embora”.
Alan salientou que estava em plena consciência, no dia dos fatos. “Nunca pratiquei nada que fosse maléfico para alguém. Nunca imaginei está aqui, sendo acusado por algo que não fiz. A questão de respeito e criação que tenho com meu pai, ele sempre deixou bem claro para ser do bem e não fazer nada de errado. Esse é um dos motivos de não beber, também nunca tive vontade, pois presenciei coisas que a bebida faz. Não estou dizendo que sou santo, mas sei quem sou. Volto a repetir: não participei de nenhum racha, nunca fui amigo de Ícaro, nem em redes sociais, não o conheço. Creio que nessa busca por justiça, fizeram uma injustiça comigo”.
O jovem, que tem 22 anos, concluiu sua fala dizendo que não deseja a ninguém o que está passando. “Recebi ameaças e extorsão na cadeia. Fiquei no pavilhão do Comando Vermelho. Dividia uma cela com oito pessoas. Dormia em uma pedra, no chão praticamente. Eles queriam mais e mais dinheiro. Meu pai mandava dinheiro sempre com os advogados. Meu pai pensava que estava comprando algo para comer e estava pagando para que eu ficasse vivo naquele local. Perdi mais de 15 quilos, em 40 dias”, relatou.
O que disse o Ministério Público
Após os interrogatórios dos réus, tiveram início os debates entre acusação e a defesa. Pelo Ministério Público do Acre (MPAC), o promotor de Justiça Efrain Mendoza ponderou que, enquanto Johnliane Paiva estava indo trabalhar, os acusados saíam de uma festa no início da manhã do dia 6 de agosto de 2020.
“De um lado, temos dois jovens, de famílias de classe média, voltado de um festa, da curtição de um dia anterior, que perdurou até o dia seguinte. Do outro lado, uma jovem, de apenas 30 anos, que estava indo trabalhar em sua moto, ainda com parcelas para pagar, para ajudar a sustentar sua casa, ajudando sua mãe. Não dar para aceitar isso”, ressaltou Mendoza.
O promotor ressaltou, ainda, o histórico de Ícaro. “Ícaro se envolveu em uma briga em Ilhéus na Bahia. Existe nos autos uma sentença criminal em primeiro grau, onde ele, seu irmão e outros amigos, deixaram uma pessoa em estado gravíssimo, depois de uma briga. Ele, aliás, ainda está respondendo pelo acontecido, o processo ainda está em trâmite. A partir do momento em que se envolveu em algo desse tipo porque não se ‘aquieta’. Não, ele fez ao contrário: bebeu e continuou indo para festas. Isso demostra a predisposição da pessoa em cometer delitos, ao invés de aplumar a vida”.
Sobre Alan Lima, Mendoza reconheceu que o jovem não tem vícios, porém fortaleceu o envolvimento dele em um racha com Ícaro. “Ele é um menino que não tem vícios, não ingere bebida alcoólica, na fuma, não usa drogas, e nem tem antecedentes. Não tenho nada contra ele, mas, pelo MP, Alan participou do racha com Ícaro. Esse tipo de corrida pode ocasionar a morte de alguém, e foi o que de fato aconteceu. A família dele deu muito, quando era para por mais ‘freio’. Ele assumiu o risco, e deve ser culpado por dolo eventual”, concluiu.
O que disse a defesa dos réus
Silva Neto, advogado do Ícaro, declarou que seu cliente se apresentou espontaneamente, e que o ocorrido não pode ser configurado com homicídio doloso, enfatizando que Alan é inocente. Em uma tentativa de persuadir os jurados a encararem os fatos como um “infortúnio acontecimento”, causado por um simples “acidente de trânsito”, Silva Neto chegou a declarar que “a imprensa envenenou a sociedade” ao noticiar a sequência de fatos que sucederam a morte da jovem, em 6 de agosto de 2020.
“Acho que já está nítido na fase da instrução do processo, a acusação do meu cliente, isso para quem quiser enxergar o que realmente de fato aconteceu. Não adianta tirar da possibilidade de que foi um acidente de trânsito. A própria namorada do Ícaro citou que que eles tiveram uma discussão dentro do carro. Então, quando ele exclui o Alan da acusação, ele está falando a verdade. Esse é o fato, não podemos fugir dele. A prova foi toda instruída neste sentido, que foi um acidente. O júri tem que trazer para o parâmetro correto, trazê-lo para um homicídio culposo e não doloso, pois foi um acidente de trânsito. O Ícaro se apresentou duas vezes espontaneamente. A primeira vez que ele souber que a polícia estava atrás dele, e outra com o advogado, para prestigiar a Justiça. Não tiramos a responsabilidade dele, que chora todos os dias na prisão, mas, infelizmente ocorreu o acidente”.
Kátia Sales, uma das advogadas de defesa de Alan destacou: “Ele tentou ajudar e acabou empurrado para este processo. A ‘chama’ da boa intenção fez ele agir com licitude e ilicitude, pois também fez manobras perigosas para tentar ajudar. Alan tem uma concepção familiar, com valores. Nada do que ele passou será reparado. Isso não que dizer que o luto da mãe de Jonhliane não deva ser respeitado, mas um inocente não pode ser condenado”, salientou.
Assistente de acusação do MP defende papel da imprensa
Após o advogado de defesa de Ícaro Pinto, Luiz Carlos Silva Neto, criticar a imprensa, durante o segundo dia de julgamento dos réus, acusados do assassinato de Jonhliane Paiva, a assistente de acusação do Ministério Público do Acre (MPAC), Gicielle Rodrigues, pediu desculpas à imprensa, nesta quinta-feira, 19, pelas declarações do colega.
“A imprensa não fez nada mais, nada menos, do que mostrar para a sociedade o que aconteceu. A imprensa não fez a festa, a imprensa não fez o racha, a imprensa não deixou o corpo da Jonhliane no chão. Não foi a imprensa. Que fique claro que não foi. A mídia só fez o seu trabalho, como muito bem tem feito. E peço desculpas à imprensa acreana pelo que teve que ouvir ontem da defesa”, declarou a advogada Gicielle Rodrigues.
Ela defendeu, ainda, que a defesa dos réus tenta a todo momento culpar terceiros pelo crime. “A culpa é da imprensa, outra hora não, a culpa é do delegado, outra hora não, a culpa é do promotor, e eu pergunto para os senhores ‘quando é que a culpa vai ser do Ícaro e do Alan?’ Daqui a pouco eles vão dizer que a Jonhliane estava no racha, que ela estava errada porque estava na frente da moto [dela], porque o Ícaro tinha que passar e ela atrapalhou. É esse o grau de distorção que estão passando para os senhores [jurados] e que não é verdade”, reforçou Rodrigues.
Atuaram na acusação o promotor de Justiça Efrain Enrique Filho. Na defesa de Ícaro atuam os advogados Luiz Carlos da Silva Neto; Jorgenei da Silva Ribeiro; Ricardo Gontijo Buzelin e Antônio Araújo da Silva. Os advogados de defesa do Alan são Helane Christina da Rocha; Janína Sanchez; Carlos Venícius Júnior; Edilene da Silva e Kátia Siqueira.