Em uma sociedade que parece se importar mais com o preço de um produto do que como ele é feito, empreender de forma sustentável se torna um desafio ainda maior, especialmente no ramo da moda, em que o consumo rápido é a maior “tendência”. Para a designer Manu Paim, 34, os desafios de nadar na contramão da maior parte da sociedade, no entanto, não foram suficientes para parar seu sonho: o de criar uma marca com propósito, sustentabilidade e impacto social: a Moda Paim.
Natural de Rio Branco, Manu Paim é formada em Design de Moda, mas iniciou sua relação com a moda ainda criança, fazendo pequenas peças com retalhos, junto a uma amiga, cuja mãe era costureira. Ali, ela despertava um talento que, ainda não sabia, mas, um dia, iria revolucionar o mercado de moda corporativa no Brasil, gerando renda a quase 20 famílias, no interior do Acre, além de inúmeras outras pelo Brasil.
“Me formei em São Paulo e fui para a Inglaterra estudar inglês, porque eu queria fazer uma especialização nos Estados Unidos ou na Inglaterra, mas eu precisava melhorar meu inglês, e, quando cheguei na Inglaterra, vi que tudo era fast fashion (moda rápida em tradução livre), e comprava às vezes, mas preferia as marcas locais. Acabei não indo para os Estados Unidos, fui para França depois, fiz uma especialização em Arte de Viver, depois fiz um mestrado em Gestão de Moda e produtos de luxo, e eu sempre dava muito mais valor a designers locais do que a marcas grandes. O luxo, pra mim, era aquilo, era um produto bem feito, com design diferenciado”, relembra.
Ainda na França, ela chegou a trabalhar na Christian Dior, uma das marcas de moda mais famosas do mundo, para a qual também contribuiu na tradicional Fashion Week, a Semana de Moda de Paris. “Trabalhar na Dior era um dos meus sonhos. Fiz um estágio, pois era obrigatório estagiar em qualquer empresa ligada à área de estudo e, no final, ainda assinei um contrato de mais algumas semanas, porque eles também precisavam de mim na Fashion Week, e ali também falei ‘não, eu quero trabalhar com algo que tenha mais design, algo mais autoral'”, conta Manu.
Apesar da gratidão em poder trabalhar com uma das marcas de moda mais conceituadas do mundo e da dúvida sobre retornar ou não para o Brasil, Manu decidiu voltar ao seu país de origem, com o forte desejo de empreender. Foi aí que um amigo contou sobre um produto que iria transformar para sempre o seu trabalho.
“Quando retornei ao Brasil, um amigo de escola, que estava trabalhando na WWF (a Organização Não-Governamental World Wide Fund for Nature), me apresentou uma borracha que tinha sido criada há pouquíssimo tempo, e eu amei a borracha. Já tinha essa história na minha família, porque meu avô, por parte de pai, era seringalista, e o meu avô por parte de mãe era seringueiro, então os meus pais cresceram no seringal, e aquilo me motivou a trabalhar com a borracha, a história, a matéria prima… O fato de trabalhar com a borracha resgatava a cultura do seringueiro, preservava a floresta amazônica, foi aí que eu quis trabalhar com sustentabilidade”, destaca.
Para Manu, ter uma marca autoral não era o bastante. “Eu não queria ter, simplesmente, uma marca autoral, eu queria trabalhar com propósito, ter uma marca que tivesse um propósito, e foi ai que eu resolvi trabalhar com a borracha e, consequentemente, com sustentabilidade, porque eu falei: ‘é um trabalho social que a gente gera renda, preserva a floresta amazônica, então eu não posso simplesmente colocar qualquer tecido. Sabemos que a indústria da moda polui muito, então queria tecidos recicláveis e sustentáveis. Vim Para São Paulo, peguei uma consultoria de uma pessoa que me ajudava a costurar a borracha, porque é muito difícil, comecei a buscar por tecidos, achei tecidos de algodão reciclado, algodão orgânico, seda, na época era muito limitado matéria-prima sustentável, há cerca de cinco anos, mas foi aií que decidi trabalhar com sustentabilidade como um todo, e eu queria uma marca 100% brasileira”, relata.
O ponto de virada
No início, Manu começou trabalhando com moda casual e desenvolveu uma coleção cápsula com apenas 10 peças, sobretudo, um pedido inusitado foi seu ponto de virada. “Comecei com moda casual, fiz uma coleção cápsula de 10 peças e inclui mais uma, que uma amiga me pediu, ‘porque eu não conheço ninguém que faz e acho que vai ser incrível ter um avental sustentável, em vez de couro'”, relembra Manu.
“Essa amiga é vegetariana, então eu falei: ‘ah faço’, e dei de presente pra ela um avental que eu produzi junto com essas 10 peças, mas eu não produzi, fiz uma peça de cada com a intenção de produzir na medida em que os pedidos chegassem, mas eu não vendia, vendi pouquíssimas peças”, conta ela, lembrando que o custo de produção, no início, ainda era muito alto, o que acabava impactando também os preços.
Enquanto isso, o avental que Manu produziu para a amiga começou a abrir portas que ela sequer imaginava. “As pessoas perguntavam pra ela, ela me indicava, e um dos restaurantes que ela fazia consultoria pediu pra eu produzir os uniformes deles. Em um mês de vendas, eu vendi 60 peças de cara, e eu nunca tinha vendido 60 peças nem em um ano. Então, eu pensei que deveria ir para este lado, para produzir em quantidades, assim acabei indo para o mundo corporativo. Por isso, eu digo que o mundo coorporativo me escolheu”, diz.
Desafios
Diante de uma sociedade que estimula o consumo desenfreado, um dos maiores desafios de Manu é conscientizar as pessoas. Ela reforça que procura ser o mais transparente possível para passar sua mensagem.
“Conscientizar as pessoas não é tarefa fácil, mas a minha forma de conscientizar é mostrar a minha verdade para as pessoas e sendo transparente. Sempre mostro fotos das comunidades, sempre que eu vou, a gente pergunta se os valores estão bons, acompanhamos o desmatamento, procuro ser o mais transparente possível”, relata Manu.
Atualmente, Manu trabalha com a borracha fornecida por 17 famílias da Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, em Sena Madureira/AC, além de outras duas famílias da comunidade Curralinho, em Feijó, interior do Acre. Já os tecidos reciclados, que são produzidos a partir de sobras de tecidos que iriam para aterros, e também incluem na sua fabricação fios de garrafas PET, vem de fornecedores da região Sul do país.
“Os acessórios de mesa são produzidos na comunidade Cazumbá, e a borracha que uso nas roupas vem da comunidade Curralinho, em Feijó. O tecido vem uma parte de São Paulo e outra parte do Sul; o algodão orgânico vem do Sul, é feito por pequenos produtores, e todos os tecidos reciclados, eu compro aqui em São Paulo mesmo. A cada metro de tecido que a gente usa, quando é algodão reciclado com garrafas PET, são 480g de resíduos têxteis e oito garrafas. Agora, temos tecidos novos, como viscose reciclada com algodão, com linho, hoje tá tudo vindo tudo muito mesclado”.
Mas, engana-se quem pensa que, por se tratarem de produtos à base de recicláveis, isso barateia o processo. Pelo contrário, “a matéria-prima sustentável tem custo mais alto porque envolve mais mão de obra”, explica a designer.
“Trabalhamos com comércio justo, então o valor que pagamos na produção também é acordado com as costureiras, que são todas autônomas. Nosso tecido é feito por pequenos produtores e com ajuda de cooperativas, e fazer o cliente entender tudo isso é o nosso maior desafio. Eles reclamam muito dos preços. Muitos não compreendem que o que eles compram não é apenas um simples produto, principalmente quando esse produto se trata de um uniforme, que vai ser entregue a um colaborador. Essa parte é ainda mais complicada, porque a gente precisa conscientizar o dono de um estabelecimento e os colaboradores do lugar. Se não, eles lavam de qualquer jeito, usam de qualquer jeito . E essa peça não terá uma longa durabilidade, não porque é sustentável, mas porque qualquer roupa que é lavada de qualquer jeito, não dura. E quando o colaborador não paga por aquilo, muitas vezes, ele não dá valor”, pontua.
O preconceito também os um dos desafios enfrentados. “No Brasil, ainda se tem um certo ‘preconceito’ quando se trata de moda sustentável, muitas pessoas já conectam sustentabilidade à roupas esteticamente feias”, lamenta ela.
Expansão da marca
Com o tempo, o trabalho de Manu superou barreiras e, atualmente,, ela se tornou referência em moda coorporativa sustentável para diversos empreendimentos. Suas peças já alcançaram clientes em São Paulo – onde a marca é estabelecida, Rondônia, Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, além, é claro, de seu Estado natal, o Acre.
Hoje, as peças da Moda Paim são utilizadas por pequenas e grandes empresas como Chilli Beans, Silva Feed, Círculo, escola CLM, Brown Sugar, que foi o primeiro cliente de Manu, Tanqueray, Old Parr, Sminorff, Ketel One, Amazzoni, Beggin, Baileys, Johnnie Walker, além de restaurantes como Camélia ODodo (da Chef Bella Gil), Adega Santiago, Guilhotina (considerado o 15º melhor bar do mundo em 2019), Bar do Cofre, Cabruca, Paros Bar, Olívio Bar, Porto Luna, entre outros.
Com o sucesso da marca, no entanto, Manu e sua equipe já planejam os próximos passos na expansão da marca. O primeiro deles é apostar, mais uma vez, na moda casual.
“Estamos nos preparando para voltarmos pra moda casual. Fiz uma entrevista com 15 pessoas, e todas elas falaram que acham moda sustentável inacessível no quesito visibilidade ou alto custo. Isso acontece porque a grande parte das empresas de moda sustentável, assim como a minha, são muito pequenas e não conseguem investir em marketing para ganhar visibilidade, e, no quesito alto custo, na minha opinião, é que as pouquíssimas marcas que são conhecidas hoje nesse ramo vendem peças a um preço mais alto. As marcas menores, que praticam preços mais acessíveis, acabam não chegando até o consumidor. Acredito que ainda temos um longo caminho pela frente. Mas não vejo isso como algo ruim, vejo todo esse cenário como oportunidades”, reforça a designer de moda.
A fórmula do sucesso
Para os empreendedores que, assim como Manu, estão trilhando novos caminhos, ela deixa uma mensagem. “Tem vários programas hoje que te ajudam a tirar a ideia do papel. Uma coisa importante a se fazer é pesquisar se o mercado precisa do seu produto ou serviço. Depois disso, vai, corre atrás dos seus sonhos!”.
“Não existe hora certa ou errada pra começar. Você precisa de esforço, foco e planejamento. Pra saber se vai dar certo, precisa começar. Muitas vezes, o seu negócio só vai dar certo depois de dar errado 10, 20 vezes. Eu ainda não cheguei onde quero, mas, pra chegar onde estou hoje, errei muito, e aprendi com cada erro. Eu sempre quis fazer moda casual, precisei ir pra moda corporativa, porque era o que o mercado pedia, me adaptei, mas nunca desisti de voltar pra casual, e hoje , depois de cinco anos, me sinto muito mais preparada pra isso”, finaliza.