Em entrevista ao programa Jornal GAZETA 93, nesta quarta-feira, 25, o médico nefrologista Ricardo Sena, responsável pela Clínica Renal de Rio Branco, denunciou um grave problema no contrato com a Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre), que, atualmente, segundo ele, transfere cerca de 95% dos pacientes da Cliníca pelo SUS. O médico relatou que, há dois anos, está passando por inúmeras dificuldades para dar continuidade ao contrato, uma vez que os pagamentos demoram para serem feitos e há falta de “realinhamento salarial”, uma defasagem em relação aos valores de mercado, o que está ameaçando a continuidade na prestação de serviços à população. O risco é de que os pacientes encaminhados pelo SUS para a diálise peritoneal sejam “devolvidos” à Fundhacre por falta de recursos, alerta ele.
“O que acontece é que estamos há dois anos com tratativas, inúmeros documentos enviados para a Fundação, falando sobre um pedido de realinhamento de valores. Existe uma logística para que todos esses insumos, os medicamentos cheguem à casa do paciente, porque a gente entrega todos os kit em domicílio, então, com a crise, com todo os aumentos dos valores dos combustíveis, de custos, hoje nós temos que tirar do próprio bolso para custear, fazendo, inclusive, financiamentos pessoais para complementar os gastos. Já são dois anos que nós estamos nesta luta, numa tentativa de sentar com o financeiro, com o jurídico da Fundação, sem respostas. Não estamos pedindo muito. Recentemente, em Brasileia, foi montada uma clínica, em que os valores pagos saíram certinho, proveniente da mesma fonte pagadora. O que nós estamos solicitando é uma equiparação ao preço de mercado, uma vez que, lá em Cruzeiro do Sul, e em Brasileia, se praticam valores diferenciados, e, aqui na Capital, não temos mais condições de dar segmento”, lamenta o médico.
Segundo ele, a Clínica Renal atende pacientes que fazem duas modalidades, tanto a hemodiálise quanto a diálise peritoneal, e, atualmente, são atendidos 23 pacientes da diálise peritoneal e 89 pacientes que fazem hemodiálise.
“A diálise peritoneal é uma modalidade que dá qualidade de vida para o paciente. Ele fica sem restrições, sem dependência de ir três vezes na semana à clínica. É um tratamento que trás o paciente para o convívio familiar e social”, explica o médico. Com a falta de recursos, entretanto, torna-se inviável continuar os tratamentos.
“É com muita dor no coração que a gente fala que se não for [feito os repasses e atualização desses repasses] nós vamos precisar devolver esses pacientes. O rompimento [do contrato] não é por falta de estrutura, não é por falta de condições técnicas, pelo contrário, mas por condições financeiras, porque nós estamos custeando. Eu e minha esposa, que somos sócios proprietários, não temos mais de onde tirar dinheiro. Não nos pagam em dia. Nós cumprimos com o serviço, nós prestamos o serviço, e não nos pagam. Eles alegam que estão dentro do contrato. Em dezembro, para vocês terem uma ideia, passaram 120 dias sem pagar. Qual empresa no nosso país sobrevive a mais de 120 dias sem pagamento? Recentemente, estávamos completando 90 dias. Recebemos agora, ontem, a segunda quinzena referente ao mês de março. Então é um absurdo. Nós pedimos encarecidamente que o governador se sensibilize com essa causa tão justa, que é vida. Quem me conhece sabe que eu sempre prezei pelo certo, pelo justo e pelo correto. Estou aqui triste, me lamentando. Eu tenho fé que todos os nossos pacientes vão estar falando a verdade junto conosco. É um apelo que a gente faz de desespero. Para quê? Porque nós fazemos o que nós amamos fazer. O que precisamos é que as coisas se reorganizem. Simples”, desabafou o médico.
Helyadia Prudência da Silva é filha da paciente dona Terezinha, de 76 anos de idade. Ela diz que a mãe, atualmente, depende da diálise peritoneal para sobreviver e faz um apelo aos órgãos de Saúde para que resolvam o problema e continuem realizando os tratamentos.
“Minha mãe faz diálise peritoneal na Clínica Renal de Rio Branco, local esse, no qual, além de contarmos com uma estrutura digna e adequada, somos acolhidas com carinho, respeito e, acima de tudo, muita resolutividade. Mas, nesses últimos dias, estamos vivendo momentos de muita tensão, preocupação e incerteza, pois fomos informados de que, possivelmente, haverá um rompimento do convênio SUS, entre clínica e Governo do Estado, através da Fundação Hospitalar. Caso isso aconteça, não será apenas o rompimento de um convênio, pois implicará, diretamente, e de forma muito prejudicial, na continuidade tratamento e no bem-estar dos pacientes. Confiamos plenamente no trabalho da equipe e não podemos permitir que nossos queridos familiares corram riscos com essa mudança, Senhor governador, senhor superintendente da Fundação Hospitalar, é com o coração muito angustiado que viemos suplicar que vocês tomem uma atitude responsável, justa, mantendo esse convênio, pois são muitas vidas que dependem desse tratamento”, desabafou Helyadia.
Kleber Lima, que é paciente transplantado, contou à rádio GAZETA um pouco de sua história e de como a diálise peritoneal foi de suma importância para que ele conseguisse se manter saudável até o transplante do rim.
“Sou transplantado de pâncreas e rins, e há dois anos e quatro meses, fui diagnosticado com a doença renal crônica por conta do diabetes. Quando conheci o Dr. Ricardo Sena, ele me alertou de que eu estava com a perda renal e me inscreveu para a fila do transplante de rins, sugerindo o tratamento da peritoneal, o que foi maravilhoso para a minha vida, porque eu tinha uma vida muito ativa, uma vida de atleta, eu trabalhava, e eu digo que o doutor Ricardo foi um anjo na minha vida”, elogia o paciente.
Outra paciente, Ocinéia Soares Pimentel da Silva, de 68 anos, trabalhou boa parte da vida como professora em escola pública e foi ainda no ambiente de trabalho que acabou adoecendo, quando descobriu que precisaria de hemodiálise para sobreviver; somente 8% da função renal estava ativa. Em 2019, começou a saga da hemodiálise, três vezes por semana, pelo SUS. Um tratamento extremamente difícil, mas que teve seu sofrimento minimizado pelo atendimento e tratamento humanizado que encontrou na Clínica Renal de Rio Branco.
“Todos são tratados por igual, eles fazem de tudo para manter a saúde da gente em dia, porque, chega aqui, não pagamos exames. Hoje, eu estou muito melhor, porque, na situação em que eu cheguei, se eu não tivesse encontrado esse recurso, eu já teria morrido, porque no meu município não tinha condições, eu não tinha condições financeiras pra sair pra outro lugar,” afirma a aposentada.
O OUTRO LADO
A rádio GAZETA procurou a secretária estadual de Saúde, Paula Mariano, para comentar o caso e, por meio da assessoria de imprensa, a Sesacre afirmou que todos os repasses estão sendo feitos à Fundhacre. Em nota, o presidente da Fundação Hospitalar do Acre, João Paulo Silva, afirmou que “os pagamentos estão em dia, conforme os prazos preconizados em contrato”.
Confira o documento, na íntegra:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Mediante questionamentos da rádio Gazeta 93FM, sobre a falta de repasse da Clínica Renal de Rio Branco, a Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), vem a público informar que:
A Diretoria Financeira da unidade hospitalar vem cumprindo fielmente o contrato estabelecido entre a Instituição e a Clínica Renal de Rio Branco.
Os pagamentos estão em dia, conforme os prazos preconizados em contrato.
Esclarece, ainda, que aguarda o repasse do Ministério da Saúde (MS), por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), que são enviados à Secretaria de Estado de Saúde Acre (Sesacre) e repassados à Fundação para realizar o pagamento do mês de abril e meses posteriores.
Por fim, a unidade hospitalar ressalta que não existe nenhum interesse da parte da Fundhacre no encerramento do contrato em romper a prestação de serviços com a Clínica Renal de Rio Branco.
João Paulo Silva Presidente da Fundação Hospital Estadual do Acre – Fundhacre